quarta-feira, 28 de setembro de 2016

filete de sangue

Teu caráter se forma miúdo, silencioso ou gritante nessa tua transferência de menina - mulher.
Ainda nem tem quinze, já sentiu o peso da vida e das tuas cordas vocais que aos poucos rubram

Me contou dos teus sonhos
Dos teus projetos
Faz olhar de recusa
Quando eu tolo
Te acuso
Uma poesia

Te peguei nos braços
Não por muito tempo
Eram frágeis como tu
Pequena
Que agora
Já é moça.

Tô parando de escrever então vou publicar um bocado de coisas reprimidas nas gavetas na memória do telefone e afins

Os dias renascem carregados de memórias e esquecimentos febris.
Numa forma de resgatar velhos Abraços que o corpo desconhece, fumo.
Tenho ficado muito tempo só
trancafiado dentro dessa prisão que criei e cultivo como o circo das lagartas
em estado de descaso ou de pura miséria
passeando no limiar de uma corda no pescoço ou de um edifício grande que abraça a cidade e pesa sobre meu corpo.

Tenho lido muito pouco
esboçado reações apáticas diante de atrocidades
vez ou outra ainda me surpreendo.

Tenho cultivado relações obsessivas por gente da cidade
-o que é raro-
e assim me afogo entre lapsos escassos de sedução e uma interminável e independente mutilação dos meus sentimentos. Apelo pra astrologia e pro misticismo em geral, e assim justifico fases, intitulo calvários.

Trânsito em câncer sol em escorpião
eu sinto muito, esse samba não é meu.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Vingou como tudo vinga.

Pois teu pai meu filho
era forte como um touro 
e isso é muito equiparado 
a minha instabilidade emocional.

domingo, 11 de setembro de 2016

Caio: do verbo cair.



Esse teu par de óculos escuros

Essa tua beleza estranha

e esses teus dedos largos

me inquietam

e toda inquietação gera um texto impublicável


Quando te vi, ali, bem sabes onde, não dei muito, passei direito, contei e recontei moedas na espera do outro alguém e tu todo falante veio, solicito de natureza puxou um papo, soletrou meu nome, descobriu meu endereço e fez faces de estranhamento quando descobriu que eu não era amante das mídias sócias, falou da maquina no quarto e dos poucos anos -e grande bagagem que tinha nas costas-

ressoou estranhamento na súbita presença do outro alguém, e então num desses inesperados comportamentos que antecedem o ato de partir: um abraço de dois segundos, um telefone copiado nas costas de uma nota fiscal, e uma partida, meio rouca, meio murcha.

E tudo aconteceu no seu devido tempo, talvez um pouco rápido ou devagar demais, talvez um pouco nu ou casto demais, se não fosse no banheiro daquele bar que fosse atrás do arbusto, nas bodas de diamante dos teus avós ou na missa de sétimo dia daquele teu amigo que se atirou do vigésimo andar


que fosse
e talvez seria
ou era pra ser
eu e tu
e aquele banheiro de bar
superfície penosa, som de cervejas batendo no engradado de quem tem sede
e o meu corpo mostrando se raso nas condições permissíveis.

Mas por quais cargas d'água eu escrevo isso? por que eu tenho que ser o que põem o fim mas se afoga nas lembranças? Eu que fui emancipado, mas sempre sinto falta de alguém pra fechar os meus cordões num segundo de pressa, e quando nem as unhas, essas unhas amareladas pelos breves anos juvenis de fumo, dão conta.

A realidade é me deixei ser fisgado e te deixei partir, talvez pela intensidade assustadora das coisas e por esse maldito sentimento que eu temo e não consigo carregar. Não te afogue em perguntas, em contextos e coisas que tu não vai conseguir entender, não devolve as camisas que tu pegaste no meu armário e eu deixei teu cheiro nelas me causa arrepio, um arrepio de banheiro de bar, que tu eu sabemos tão bem.




quinta-feira, 1 de setembro de 2016

vicente nem morreu.

Ele toma banho às cinco
acorda antes mesmo da habitual constipação matinal proveniente do cantar do galo
na dualidade dilacerante de homem-menino menino-homem checa seu leque de obrigações:
sapatos ilustrados com escova de dente gasta
camisas brancas passadas e dobradas no braço da cadeira
e meu sono
que inquieto questiona
se quer dormiu?
e a resposta provém do meu silêncio e de greta garbo ilustrada na tv com feições de tragédia pausada pretensiosamente por sua presença ofegante rente à mim
e isso diz tanto sobre tanta coisa.

sábado, 20 de agosto de 2016

envelope-pardo.

Umas paradas que escrevi no auge dos primeiros suspiros da manhã. Eu sei que eu não escrevo bem e já aceitei essa condição pra mim faz tempo. Público por uma necessidade de algo que ainda não sei... É que certas coisas precisam apenas existir. Que sejam aqui.



É que eu vi vestígios de perfume sobre a mesa da cozinha
e rastros de um café amargo recém tomado pela metade
seu zé não passa perfume pra ir a padaria
e não te encontrei em nenhum canto
supus que fosse tu, corriqueiro.

uns meses atrás te escrevi um ensaio de despedida
as bordas de um crime passional
achava que sentia muito
e agora já não sinto nada
e será se um dia senti?

tu parte
meio que sem data
meio que sem rota
meio que sem malas
sem bilhete postal

e eu não sinto nada
talvez indiferença
mas isso é palavra bonita pra nomear esse nada qu'eu sinto
e o nada significa tanto
o parapeito da minha varanda e a mesa de centro que eu comprei e ainda pago
e se eu pular?
quem paga?

me lapidei oco
sonso
e imune

e tu volta
sempre volta
meio como quem não quer nada
no meio de um temporal
sempre com aquele short que tua avó te deu no natal e tu não gostou
e aquela camisa do joy division que eu te dei no amigo secreto do grupo do teatro
já sabia eu
que ela te cairia bem
como teu corpo pulando do último andar da tua kitnet na major sertorio
tu volta
tu sempre volta
e eu de louco te deixo entrar
e quando dou por mim
tu já foi
meio que sem data
meio que sem rota
meio que sem malas
meio que sem bilhete postal
e eu aqui
lavando os lençóis com o cheiro do teu sexo
coando um novo café
até o dia que teu corpo vai bater aquela porta
e eu de louco
vou te deixar entrar.

Eu te amo
Feliz vinte e muitos.
Vinicius.

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Quem foi que saiu

deixando esse rastro de perfume pela casa

balançando o molho de chaves na esperança de encontrar a chave certa

com os pés ensaiando pisadas bruscas revelando sabe se la algum vestígio de obstinação

e o relógio ainda nem marcava sete

quem foi que saiu

que nem café tomou

que nem batom passou

que nem bilhete deixou.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

nações.

Eu não me compadeco da tua luta, fui menestrel de tantas e não tive isso que se pode se chamar de reconhecimento.

Paris, outubro, 62.

Imigração. Não substituiria velhos hábitos imigrante latinos por uma vida local, nem por traços finos, nariz robusto empinado, tampouco feições alá greta garbo de tragédia.
Não substituiria meu passaporte cor de laranja, por um bilhete fajuto com imagem em branco e preto e beca bem passada refletindo ordem.
Não substituiria meu conjugado dos anos trinta quase se afundando em infiltrações e ausência de aquecedor à gás por um apartamento moderno, assinado por arquiteto renomado na parte alta da cidade.
Talvez o meu histórico de dor não se baseie na temática central do exílio, que o que fere não é pra onde se vai, é o que se deixa pra trás. O meu histórico se intercala na ausência de sentimentos complacentes que tateiam a memória como uma súbita taquicardia diária. E ainda tem esses discos empoeirados no armário cozinha, como auto afirmação daquilo que o passado não me deixa esquecer, e nem os cortes de lâmina na minha pele.
Revolução? revolução prolixa que só permanece viva nesses cartazes colados na tua parede carpintanda no estilo neo barraco e nesses teus livros grifados com fases motivacionais de guerrilha enquanto tu bebe um vinho caro e o povo luta, grita, se joga em crimes passionais. Tuas convenções, aquelas convenções frias e fajutas escritas em colunas de jornal não refletem os cavaldos que tua voz planta em sussurros iníquos de tradicionalismo.
O meu corpo é latino, político, irrefutável.
Meu corpo carrega esse enorme peso mundano de quem escolhe se compactuar com a liberdade, liberdade essa que não se mede contando nos dedos da mão.
Meu corpo não fala por pelos crescentes de revolta, quebra de paradigma. Meu corpo sussurra silêncios e faces frígidas de quem já sentiu demais, e mesmo assim sorriu.
Meu corpo não sustenta personagens sabichões com cigarros fixos nos lábios vermelhos de revolta.
Meu corpo é um nada, um nada que se estende no ar.

corpo imigrante

que de tanto se lançar no mar

esqueceu o caminho de casa.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

ticket

Eu volto
tantos passos que já dei
voltei aqui pra dizer que eu volto
volto com minha poesia malacabada
com meus dedos sujos de lama
e com os meus plurais tortos
eu volto
mas não contarei dos motéis insalubres que frequentei
nem dos ar condicionados quebrados por ausência de manutenção nesses quartos de motel que fui
eu voltarei
voltarei com um livro pronto
um punhado de sonhos novos
seis amores superados
e a dor do silêncio de um mês passeando em lugar nenhum dentro de uma são petesburgo fria
Eu voltarei.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

aquele homem que o papel diz que é teu.



Eu não quero tua atenção

Nem teus olhos idealizados sobre mim

Não quero sanar tuas duvidas

E nem ser motivo dos teus porquês

Eu quero a liberdade palpável

De um dia de chuva

stockholm 16'



Querida

O verão aqui renasce inquieto, anula aquele inverno carregado de seis meses atrás. Ora ou outra as tempestades primaveris se fazem presentes, tempestades essas que só não são piores das que jazem aqui dentro.

Levanto todo dia às quatro

não por capricho

nem por rotinas traçadas

é a inquietação...

se é que me compreende nessas minhas reticências...

Caminho pelo bairro, vejo os amantes inquietos e suas doses de gim repousarem sobre as escadarias dos prédios sem porta. Vejo as putas contando as notas com olhares de exaustão nas marquises do teatro. Vejo meu reflexo naquele café de esquina... olheiras fundas, cabelo despenteado, roupas amarrotadas, pausas longas.

Tu ai e eu aqui, minha pequena...

Um oceano de distância, um voo de doze horas, e uma conexão em paris.

Paris essa, que renasce triste, lapidada pelos passos longos de filhas da puta como Rimbaud, de guerras ágeis sem nenhum vencedor, de vielas e umbrais luminosos e ruas de ladrilho encenadas com ou sem cantigas de Edith Piaf.

Recebi o convite do teu casamento, ele é bonito, e mesmo que não fosse, diria, ele é bonito. Teu sorriso naquela foto me parece convidativo, mas bem sabes... que... eu não irei. Não por egoísmo, nem por disparate... é que ah... tu sabes e eu também sei...

Talvez essa seja a última correspondência, esses são os meus últimos centavos, ando fumando cigarro dos outros, mas te comprei um selo, receba essa carta e rasgue como forma simbólica daquilo que um dia nós significamos um para o outro. O sentimento fica, o apreço, a admiração e as dores que me fizeram forte também. Encerro aqui um ciclo, ciclo esse de memorias e álbuns fotográficos na gaveta do quartos dos meus pais.

Parto

Partida

sem asco luminoso

sem rastro

sem poeira nos sapatos.



No radio Billie Holiday sussurra baixinho strange fruit.

Adios…



Vinícius.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Guilhotina.

Não me venha com dedos
partitura
telefone escrito em costa de papéis que tu não lê

Não me venha com versos
amenidades
frases premeditadas
nem elogios descabidos

Eu quero teu sexo
nada mais
relação crua
tórrida
momentânea

Esquece o meu nome
e a avenida que cruza tua casa da minha
aliás não faça esforço pra lembrar
Eu gosto dos teus olhos
serenos
chupando meu pau
nada mais

não pense
não mergulhe em devaneios
não te tenho amor
alias
não tenho amor

É passageiro
casual
momentâneo
livre como notas daquele samba que tu e eu sabemos tão bem
Não afogue tuas reticências
e nem espere que eu ligue no dia seguinte.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Carta.

O teu futuro ao meu lado é incerto, não projete, não pense, não espere. Tu disse ontem que eu sou uma bomba prestes a explodir, perigo constante, meias palavras e oscilações constantes de estima, e por falar nessa bendita: lhe tenho tanta.

Não tenho sono, tão pouco vontade de existir ou talvez coexistir com o espaço e o tempo, então fico aqui, não sei onde, não sei quando, fico aqui.

Tu viu? ela se atirou, o corpo ali, apático, torto, sem sangue, o corpo dela. Ouvi dizer que estudou na minha escola, mas meus olhos nunca se atrelaram para aquelas curvas e jeito sinuoso de moça precoce, mas a forma que os fatos ocorreram me fizeram observar as nuances, e quando dei por mim, era tarde. O corpo, ali, existindo com o chão. Deus o livre. Ouvi dizer que outros tantos estiveram naquele parapeito, perto do fim. Que Deus os tenha!

A bailarina, projetista cultural, também foi outra, partiu. Minha mente projetou algo como o "homicídio da bailarina" pensei em fazer um zine mas meu corpo ficou em febre por três longos dias, essa história me doeu inteirinho, me doeu de incompreensão e impotência, mas hoje superei e gozo de boa saúde. E tu? por anda? que não dá notícias... Telefonemas avessos, gravações por código morse... nossa relação sempre foi assim não é? meio emancipada, tórrida, trágica, de baixo orçamento, risos. Tá eu sei, te vi ontem, ou vi o que tu estava disposto a me mostrar, o teu porri, lento, curioso e insuportável. Enfim, me bateu uma vontade imensurável de te escrever...

E aqui estou eu, numa madrugada de segunda feira te escrevendo coisas que tu não vai ler com pujança e marasmo numa folha de papel.

Boa noite, cuide-se
do seu e do mundo
 
Vinicius.

Onde houve, não há mais agora.

A minha liberdade
e o teu pudor
caminhavam bem
como meu corpo nu
atravessando tua cozinha
num flash
cauteloso e fugaz
em perigo eminente de ser fitado
pelos vizinhos
nas frestas das janelas de vidro
cortadas como
nossa atual ausência consensual
de dois corpos existindo
no
mesmo espaço
-tempo-
gabriel, tens sede?

quinta-feira, 9 de junho de 2016

reflexo

Não me venha com termos difíceis

frases juramentadas

e olhares de reprovação

comigo é outros quinhentos

é a vida vivendo

é os tapas na cara que não devolvi

é o desamparo que senti

é o vácuo que a minha pele

a minha pele

deixa no ar

terça-feira, 10 de maio de 2016

no tempo dos affonsinhos.


Nota do autor: é recomendado que no final de cada frase lida seja feita uma pausa tão longa quanto uma respiração que prende os pulmões.




Ele sozinho na cidade grande

Apunhalado pelas possibilidades
e amordaçado pelo mapa das estações de metrô

Ele e os letreiros luminosos dos hotéis de nenhuma estrela

Ele e seu primeiro emprego de redator num desses jornais que ninguém nunca lê

Encarregado de enquadrar em fonte padrão o anúncio das putas e todo o seu leque de atividades descritas sem qualquer cautela

Ele e eles

Um por noite

Um pernoite

No mesmo ponto

Quitinete paupérrima numa dessas marquises do elevado Costa e Silva

Ele e o pente de mão

Cabelo enquadrado

Bigode lapidado com tesoura cega

Ele e o banho de gato

Ele e o copo de café com leite num copo sem asas

No vaivém da rodoviária

Ele o retrato na parede

Ele e a xilogravura

Ele o espaço

E o tempo que passa

E não para.

domingo, 1 de maio de 2016

nota de número dois.

Você vai embora
E sempre acontece o mesmo ritual:

Me certificar te girado três vezes em sentido horário o molho de chaves

Observar o céu durante três minutos e ver o embaraço das nuvens (tempestade breve, fechar as janelas)

Virar novamente os porta retratos para que possam ser vistos (convenhamos, trepar com toda a família te fitando é meio embaraçoso)

E o mais dolorido

Colocar os lençóis com o cheiro do teu sexo pra lavar.

Das coisas que eu não deveria ter esquecido. // rotinas definham memórias // álbuns de fotografia se apagam com o tempo//

Ventrículo intracelular

Pulmão asmático

Sorriso de canto

Marca de batom no filtro do cigarro

Pegadas tamanho quarenta e quatro na areia

Papel meticuloso sobre a língua

Estimulante branco deliberando adrenalina na carnificina nasal

O toque apático dos braços livres se cruzando na cama de lençóis brancos

Sinos de igreja batendo às seis

A habitual dança das árvores

O céu laranja de outubro

Joaninha no portão de casa

Cortador de unha definhando raízes de girassol

Desamparo maternal

Mais uma dose

Forte

Seca

E breve

Lábios brancos

Possivel quadro de desidratação

Morfina é para dor

Viver já me consome demais

Mais uma

Pequena como passarinhos no ninho

Ecos?
Ecos do que um dia eu jurei ser
E não fui.

Não te telefonei.

terça-feira, 26 de abril de 2016

20'

Eu vinho
Ele tequila
Eu pentax
Ele rolleiflex
Eu gosto de comer ele de pé
Ele deitado
A gente se entende assim
Meio torto
Meio cambaleando
Sem Beijos
Nem endereços
Somos nós
O nada que deu certo.


Eu vinho
Ele tequila
Eu pentax
Ele rolleiflex

Olhos
Olhos
Malditos olhos
Olhos que eu quero
Olhos que não me querem

Ele
Ele e suas coisinhas
Ele neurastênico

Ele pelado.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Por que os olhos pesam quando a gente sente sono?

E o mundo cala quando se quer gritar?

Por que as olheiras fundas refletem longas noites de insônia?

E as cicatrizes no braço esquerdo revelam um passado de condenações?

Por que essas amarras da minha existência me prendem de tudo que eu sempre acreditei?

Por que as ordens de despejo sempre vem quando não se tem pra onde ir?

Por que marinheiro não sente saudade?

As velas que eu acendi aos seis não me deram sorte


E as minhas dores me fizeram forte.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Sobre ausência no peito do toque de mão que eu não deveria ter lavado.

Phedra D. Córdoba  (Havana, 26 de maio de 1938 — São Paulo, 9 de abril de 2016) foi uma atriz cubana.

Na infância, chamava-se Rodolfo. Entrou para uma companhia de dança na adolescência, formando uma dupla com a bailarina Lupi Sevilha. Participou de uma turnê da companhia pela Argentina em 1958, e então conheceu Walter Pinto, que a convidou a desistir de voltar para Cuba e ficar no Rio de Janeiro. Abandonou definitivamente o nome e a identidade masculinas aos 21 anos de idade.

Assumindo o nome artístico de Phedra de Córdoba, trabalhou no espetáculo de travestis Les Girls. Atuou como vedete ao lado de Costinha. Em 2003, entrou para a companhia de teatro Os Satyros .

Morreu em decorrência de um câncer, no dia 9 de abril de 2016.





Na ânsia de mudar uma coisa, qualquer coisa, juntei as moedas soltas pelos cinzeiros da casa, esvaziei os bolsos dos meus avós. Era tudo que eu precisava, nunca fui dono de grandes posses tampouco menestrel de grandes furtos, talvez uns antúrios no jardim da vizinha aos seis anos ou uns livros na biblioteca da escola, mas nada muito calculado.

Não contei quanto tinha em mãos, sai, apenas sai, com os lábios secos, beber água era perigoso, nunca tinha sentido fagulhas assim de liberdade e qualquer passo fora do previsto soava catastrófico.

Caminhei até o ponto, em silêncio, era necessário o silêncio no atual estado da condição. Minhas mãos trêmulas acenaram para o primeiro ônibus que passou, tirei a terra das calças e subi me segurando com convicção no corrimão de entrada, encarei o motorista como quem tem o controle da situação e fui. Algumas moedas sobre a roleta, dispenso o troco, gira, procura um lugar no fundo, perto da janela e observe a paisagem com deslumbre. As casas de taipa, os becos escuros, as pretas e seus vestidos floridos carregando com essa força feminina de quem carrega o mundo nas costas um balde cheio de roupas para serem estendendidas, grita com o menino que atrapalha a passagem com o pião. O boêmio alcoólatra e sua camisa florida parafraseando um samba qualquer enquanto os dedos ensaiam o compasso da melodia na taberna de um bar. As putas frígidas e sua maquiagem carregada num malabarismo incerto das mãos de unhas mal pintadas: um copo de gim e um cigarro enquanto conta notas de cinco.

O trânsito e sua caótica e pontual melodia.

Tenho compromissos inexistentes e não posso me atrasar, e nessa espera observo. Observo o vendedor de balas lendo a bíblia no ônibus enquanto limpa o suor decorrente do estresse da espera, com um lenço laranja. Observo as secretarias exaustas e seus coques exuberantes falando sobre os números da bolsa (a de valores). Observo inquieto e aflito minhas pequenas obsessões na observação alheia. Caio foi de paris até Viena de ônibus, não porque estava falido ou com pouca grana, ele assim como eu gostava de observar e talvez por isso e só por isso eu escreva isso.

E é chegado o ponto, puxo três vezes a corda de parada para me certificar de que estou no horário certo para o meu compromisso inexistente e inadiável e que nada nem ninguém vai atrapalhar. Desço saltitando nos anseios de menino, dou passes tão breves que soam imperceptíveis, e lá está ela, na praça, exuberante com suas castanholas falando sobre cuba libre com sotaque castelhano e feições santas de índia meio Brigitte Bardot com o cabelo impecável como o de Jane Fonda em amargo regresso.



Nessa noite eu não rezei.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Não suportei teu ascendente em câncer e fui (de forma covarde) mas te deixei um bilhete.


Por que você treme as mãos quando segura a câmera?

Gosto quando tua pele ganha esse tom avermelhado de sol

Aposto que teus pelos de baixo herdaram essa coloração clara das tuas sobrancelhas

Gosto quando você levanta a barra da calça até os joelhos e coloca os pés no mar

Gosto da forma desajeitada quando tu perde informações

Gosto das curvas das tuas costas no meu colchão

E desse teu ar de ''não sei pra onde ir''

Gosto da tua camisa da evita

E da forma que tu cruza as mãos num momento de oração

Até breve querido





Vinícius.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

lápide.

Truffaut me ensinou que a fineza vem do mistério, mas o que se há de fazer quando se sente muito triste? Acender um cigarro? Colocar um tailleur preto simbolizando o luto pelo meu desamparo emocional? Já fiz, e não adiantou muito, minhas mãos tremem quando me encontro em estado de profunda tristeza e não fico muito bem com tailleur.

Ligar para os mais íntimos e passar horas a fio tecendo palavras vazias enquanto enrosca o fio do telefone nos braços recém cortados por ela? Já fiz também, e não adiantou muito, sempre tive preguiça de falar e não tenho muitos amigos.

O fato é, por onde eu caminhe ela sempre vai me acompanhar, isso é eminente. Meu analista esses dias me perguntou o que me impedia de ser feliz, não respondi, fiquei meia hora de braços cruzados sobre o divã pensando sobre, e até o atual momento não encontrei respostas. Talvez seja da minha natureza, ou da dos que me antecedem, minha bisavó Lurdes que o diga, insatisfeita com essa vida vazia de filha de imigrantes e marido metido com coronelismo no Piauí suicidou se, sem pena, doze comprimidos pra pressão alta e acordou fria como um cálice, nas costas deixou seis filhos e a vontade de ir.

Também tenho vontade de ir, uns dias mais outros menos, ainda assim ir, ainda não encontrei minha maneira. Mas ao contrário de Lurdes não deixo nada, talvez o lapso de quem sente muito e um livro surrado de duzentas páginas que escrevi e não publiquei.

terça-feira, 5 de abril de 2016

retrato de um quadro sem moldura

Devolve o meu casaco favorito
Com a tua pele
Colada nele

Esvazia meus cinzeiros
Eu não aguento essa espera
Então fumo

Sexta feira tomei um ônibus, sem destino, passava no ponto da escola que eu estudei quando tinha seis anos
Três pontos a frente
Um travesti entrou
Careca
Vestido florido largo até o pé
E uma mala
Ordem de despejo supus
Acendi um cigarro antes da porta abrir no ponto final
E fui
Não te encontrei.

quarta-feira, 9 de março de 2016

resguardo

Eles se falam todo dia as uma, o mesmo ritual é repetido, dirige-se ao quintal para que ninguém possa ouvi-lo e sem delongas telefona. Pobre rapaz, primeiro relacionamento aos vinte dois, o vi crescer, e cresci junto.

Aos seis atirei meu gato de estimação sobre seu peito enquanto minha avó assava um bolo de trigo, ele carrega as cicatrizes do meu fatídico ato até hoje.

Eu sonho em viajar o mundo, aprender seis idiomas aos vinte. Ele sonha em ter um automóvel da moda, um corpo bonito e uma adega de vinhos em casa.

Eu choro copiosamente toda vez que vejo Hamlet no teatro. Ele aluga filmes de ação uma vez por semana e bebe uísque em copo de extrato de tomate.

Eu sou fadado a solidão e tudo que com ela se carrega.
Ele tem a vida toda pela frente.              

Ele me pergunta por que uso óculos escuro as nove da noite
Eu respondo

A vida tem sido dura, e essa é minha vingança.

sábado, 5 de março de 2016

Um dia, três outonos.


Texto para se ler enquanto ouve o brilhantississsimo Milton.



Seis da tarde, de um fatídico dia de dois mil e seis. As pernas largas dando longas passadas, o batom coral desbotando sobre os lábios e uma argola faltando numa das orelhas de abano. Noticiou-se em caixa alta e pra quem quisesse ouvir a demissão no singelo emprego de bairro como balconista de locadora de vídeo, nessas alturas o sistema já andava a passos breves, a praticidade e agilidade da pirataria definhava toda a cordialidade do sistema de locação de fitas, era reerguido ora ou outra pelos catálogos de filmes eróticos sobre o balcão de mármore e seus fiéis e assíduos viúvos solitários e suas pochetes largas e surradas sobre seus ombros também solitários.

ato II:

Passos ágeis com os tamancos envernizados comprados a fino trato e a prestações, procura o molho de chaves ainda atordoada e questionando a si mesma de onde havia tirado tanta coragem para abdicar de seu único ganha pão, logo ela recém separada de um casamento fadado ao fracasso, morando com os pais e com um filho de seis anos sem assistencialismo paterno. Logo ela, dona de poucas vitórias e inúmeros fracassos ressoando sobre a mente. Respira fundo como quem canta um desses mantras dignos de romaria religiosa anualmente clamados no norte do México. E eis que chega a hora, deita o seu um metro e setenta e um (sustentado diariamente atrás de um maldito balcão de mármore e seus tamancos envernizados que ora ou outra traçam longos calos sobre os pés) sobre o sofá revestido com uma dessas mantas florais horrendas dadas por Jacira  amiga e companheira de longas noite de labuta no hospital com tia Joelma.
Os dedos amarelados de longos anos como fumante ligam o rádio que logo responde com ruídos, sorri sozinha por achar que os ruídos tratam se de um breve prelúdio sobre suas vida, sintoniza o rádio na estação mais próxima, encontra o que quer ouvir (ou o que precisa) uma dessas melodias suaves, milton nascimento? ouvia quando garota, repete em breve diálogos consigo mesma. Rabisca os classificados do jornal com enormes bolas vermelhas de caneta tinteiro, limpa os olhos sujos de rímel, passa o café e renasce como tantas Marias por aí.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

solto no bloco de notas do meu celular.

Borrifou miraculosamente sobre cada cômodo do meu apartamento um frasco de perfume, disse que tinha um "cheiro estranho" de canela e pelo de gato. Trocou a ordem dos imãs que enfeitavam minha geladeira, trocou o número do meu japonês favorito na agenda por um restaurante especializado em tofu defumado com ervas indianas. Reclamou dos meus sapatos sujos de alvejante, da marca cara de cigarro que eu fumava e do preço do aluguel do meu quarto e sala.

Uma parte minha quer, sempre quis tal regularidade sentimental, uma parte minha sempre gritou pela estabilização moral e emocional, uma parte minha sempre se corroeu inteira nesses sentimentos típicos de felizes-para-sempre ao qual meu peito em prantos nunca soube carregar, uma parte minha sempre quis essa rotina de relacionamentos comuns, com gente normal, mas meu corpo não sustenta, meu olhos não borbulham com camisas passadas a fino trato, a cabelos alinhados e roupas da última moda em Milão.
Meu peito sempre se estremeceu por essa gente torta de teatro de decadência, essa gente mal paga, mal vista, mal vestida, borbulhante. Por esses filhas da puta e suas transas tristes, suas putas tristes e suas memórias redigidas em bíblias de expoentes como os meus, como gabriel garcez ou phedra d cordoba. Uma parte de mim não encontra sentindo nenhum nisso aqui, mas escreve, e escreve quase que de forma automática em cada flash ou palavra que brota na mente. Uma parte minha flutua nas lágrimas que não dei, a outra mergulha o bico num bar Bogotá.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Janelas também adoecem.


Dorme, dorme sereno, enquanto as curvas do teu corpo dão vazão aos lençóis novos da minha cama impregnados com o cheiro do teu sexo.
Gesticula imerso nesse mar de sonolência que prende tua perna a minha como um extinto materno de auto proteção.
Passeia tuas mãos sobre minhas costas nuas como quem procura o caminho de casa (e não acha).
Respira ofegante como marinheiro em terra firme com saudade do mar.
E desperta, desperta com um desses olhares oblíquos e silenciosos numa apreciação terrena das obras já não mais protagonizadas e apenas repetidas exaustivamente nas gavetas da memória.
E agora levanta, levanta livre enquanto os feixes de luz que ultrapassam a cortina iluminam tua pele morena e você aflito procura a roupa de baixo e acha! Tens de pedalar, é segunda, dia de cumprir rotinas, assinar papeis que não lê e relembrar dos momentos já eternizados pela memoria nas pausas de dez minutos enquanto fuma um cigarro. Quem sabe um bilhete com caligrafia desenhada escrito em guardanapos de bar, quem sabe impressões digitais tuas sobre o molho de chave? Quem sabe?.