sexta-feira, 22 de julho de 2016

nações.

Eu não me compadeco da tua luta, fui menestrel de tantas e não tive isso que se pode se chamar de reconhecimento.

Paris, outubro, 62.

Imigração. Não substituiria velhos hábitos imigrante latinos por uma vida local, nem por traços finos, nariz robusto empinado, tampouco feições alá greta garbo de tragédia.
Não substituiria meu passaporte cor de laranja, por um bilhete fajuto com imagem em branco e preto e beca bem passada refletindo ordem.
Não substituiria meu conjugado dos anos trinta quase se afundando em infiltrações e ausência de aquecedor à gás por um apartamento moderno, assinado por arquiteto renomado na parte alta da cidade.
Talvez o meu histórico de dor não se baseie na temática central do exílio, que o que fere não é pra onde se vai, é o que se deixa pra trás. O meu histórico se intercala na ausência de sentimentos complacentes que tateiam a memória como uma súbita taquicardia diária. E ainda tem esses discos empoeirados no armário cozinha, como auto afirmação daquilo que o passado não me deixa esquecer, e nem os cortes de lâmina na minha pele.
Revolução? revolução prolixa que só permanece viva nesses cartazes colados na tua parede carpintanda no estilo neo barraco e nesses teus livros grifados com fases motivacionais de guerrilha enquanto tu bebe um vinho caro e o povo luta, grita, se joga em crimes passionais. Tuas convenções, aquelas convenções frias e fajutas escritas em colunas de jornal não refletem os cavaldos que tua voz planta em sussurros iníquos de tradicionalismo.
O meu corpo é latino, político, irrefutável.
Meu corpo carrega esse enorme peso mundano de quem escolhe se compactuar com a liberdade, liberdade essa que não se mede contando nos dedos da mão.
Meu corpo não fala por pelos crescentes de revolta, quebra de paradigma. Meu corpo sussurra silêncios e faces frígidas de quem já sentiu demais, e mesmo assim sorriu.
Meu corpo não sustenta personagens sabichões com cigarros fixos nos lábios vermelhos de revolta.
Meu corpo é um nada, um nada que se estende no ar.

corpo imigrante

que de tanto se lançar no mar

esqueceu o caminho de casa.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

ticket

Eu volto
tantos passos que já dei
voltei aqui pra dizer que eu volto
volto com minha poesia malacabada
com meus dedos sujos de lama
e com os meus plurais tortos
eu volto
mas não contarei dos motéis insalubres que frequentei
nem dos ar condicionados quebrados por ausência de manutenção nesses quartos de motel que fui
eu voltarei
voltarei com um livro pronto
um punhado de sonhos novos
seis amores superados
e a dor do silêncio de um mês passeando em lugar nenhum dentro de uma são petesburgo fria
Eu voltarei.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

aquele homem que o papel diz que é teu.



Eu não quero tua atenção

Nem teus olhos idealizados sobre mim

Não quero sanar tuas duvidas

E nem ser motivo dos teus porquês

Eu quero a liberdade palpável

De um dia de chuva

stockholm 16'



Querida

O verão aqui renasce inquieto, anula aquele inverno carregado de seis meses atrás. Ora ou outra as tempestades primaveris se fazem presentes, tempestades essas que só não são piores das que jazem aqui dentro.

Levanto todo dia às quatro

não por capricho

nem por rotinas traçadas

é a inquietação...

se é que me compreende nessas minhas reticências...

Caminho pelo bairro, vejo os amantes inquietos e suas doses de gim repousarem sobre as escadarias dos prédios sem porta. Vejo as putas contando as notas com olhares de exaustão nas marquises do teatro. Vejo meu reflexo naquele café de esquina... olheiras fundas, cabelo despenteado, roupas amarrotadas, pausas longas.

Tu ai e eu aqui, minha pequena...

Um oceano de distância, um voo de doze horas, e uma conexão em paris.

Paris essa, que renasce triste, lapidada pelos passos longos de filhas da puta como Rimbaud, de guerras ágeis sem nenhum vencedor, de vielas e umbrais luminosos e ruas de ladrilho encenadas com ou sem cantigas de Edith Piaf.

Recebi o convite do teu casamento, ele é bonito, e mesmo que não fosse, diria, ele é bonito. Teu sorriso naquela foto me parece convidativo, mas bem sabes... que... eu não irei. Não por egoísmo, nem por disparate... é que ah... tu sabes e eu também sei...

Talvez essa seja a última correspondência, esses são os meus últimos centavos, ando fumando cigarro dos outros, mas te comprei um selo, receba essa carta e rasgue como forma simbólica daquilo que um dia nós significamos um para o outro. O sentimento fica, o apreço, a admiração e as dores que me fizeram forte também. Encerro aqui um ciclo, ciclo esse de memorias e álbuns fotográficos na gaveta do quartos dos meus pais.

Parto

Partida

sem asco luminoso

sem rastro

sem poeira nos sapatos.



No radio Billie Holiday sussurra baixinho strange fruit.

Adios…



Vinícius.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Guilhotina.

Não me venha com dedos
partitura
telefone escrito em costa de papéis que tu não lê

Não me venha com versos
amenidades
frases premeditadas
nem elogios descabidos

Eu quero teu sexo
nada mais
relação crua
tórrida
momentânea

Esquece o meu nome
e a avenida que cruza tua casa da minha
aliás não faça esforço pra lembrar
Eu gosto dos teus olhos
serenos
chupando meu pau
nada mais

não pense
não mergulhe em devaneios
não te tenho amor
alias
não tenho amor

É passageiro
casual
momentâneo
livre como notas daquele samba que tu e eu sabemos tão bem
Não afogue tuas reticências
e nem espere que eu ligue no dia seguinte.