segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

entre-aberto

Livro de cabeceira
Castiçais
Candelárias
Cinelândias

Lençóis de mil fios
je t'aime

O disco roda
a alegria rebate
as cinzas do cigarro também
cinzeiro lotado
alma vazia
eu sempre te disse


a solidão é uma ótima companhia

vão de escada

Me vens meio aéreo
com os olhos arregalados
fala atravessada
lábios pálidos.

Os dedos me afagam, os dentes se roem entre si, amassa a camisa contra o meu corpo e chora. Foram tantas caminhadas, tantos sorrisos soltos ao léu até o dia fatídico em que foi, e foi! Pelo corredor de mármore amarelado e de rabiscos tortos de menino de seis anos. E agora me vêm, como quem não quer nada, como uma madalena arrependida ou Bridget Bardot numa dessas tragédias gregas de teatro de rua, e vens. Toca exaustivamente a porta seis vezes, a tevê no máximo me faz perceber apenas a última batida, cruel, submissa, desesperada, na porta de madeira gasta. Grito pausadamente "quem é?" E não responde, apenas uma batida, ou na verdade outra batida que sucede a última batida seca e cruel. Me dirijo até a porta, giro o molho de chaves três vezes como de costume, e lá esta você, molhado de chuva, trajando aquela maldita camisa do joy division e aquele short floral que tua vó te deu em dezembro e você não agradeceu.

curvas

Muito além de toda a superficialidade

Na noite

No acaso

Num beco qualquer

Numa dose de conhaque

Num filtro de cigarro compartilhando

                                                                                                        Nos conhecemos


Conhecemos de verdade

Muito além de toda a superficialidade

Muito além dos corredores que cruzavam minha sala da tua

Muito além de qualquer condolência

Muito além de qualquer passo vertiginoso

                                                             Num espaçamento qualquer
                           
                                                                                                          Eu te conheci.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Notas de uma primavera qualquer.


De todas as cadeiras daquele bar, uma única me reconhecia.
Dura
alta
meio cambaleante e recém pintada de verniz.
Ficava ao lado do balcão
no canto escuro
à meia luz ao lado do cinzeiro de prata barato e do banheiro com cheiro de inseticida repugnante.

Ela era minha
unicamente minha
acento preferencial nas quartas
depois de um dia daqueles de pregação moral
e de valores não absorvidos.

Senta lá
Acende um cigarro
Pede pra tocar o lado B do teu disco favorito
Abre dois botões da camisa
não esquece da gola
sufoca!



E
Relaxa.

domingo, 1 de novembro de 2015

Futuro presente qualquer // não sofras Bartolomeu.


Dois dias sem tomar banho, e não há nenhum odor e nenhuma dor capaz de lhe trazer de volta pra mim.

Quarenta e oito e horas
quase quarenta e nove
o corpo apático
os olhos cansados
os dedos num tique repetido exaustivamente durante longos minutos

puxa o dedo maior pra cima
engole o debaixo
e assim vai.

Suspira.
Nenhuma monotonia.

O cheiro de teu sexo impregnado na minha camisa de botões
e todos os pensamentos cultivados por longas noites servidas por garrafas de vinho sem rolha deixados atrás da porta
assim como o corredor de madeira gasta que guinou teus caminhos para longe
longe
longe daqui.

Talvez os teus amigos do teatro entendam
talvez ninguém entenda
isso é um tipo de incógnita que ninguém representa.

Não justifique o teu caos com livro de astrologia barato para iniciantes
não justifique tua dor com a ausência de mim
com representação cósmica desses teus achados na Benedito Calixto

não me encontres na roda de samba do Bixiga
não me leve flores e objetos como forma de retaliação
pois os teus braços sobre os meus não passaram de uma canção.
Canção de quatro minutos
ciranda de menina que gira
que gira, e gira
e acaba em monotonia.
Monotonia perversa
dos que um dia juraram ficar
mas quando o barco pousou no cais se me permitiram voar.


Toda a emancipação é bem-vinda
e eu vou indo curar as feridas.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

aéreo


Eu nunca gostei de despedidas
tenho asco a solidificação ou ao marasmo convencional refletido numa dessa cenas de teledramaturgia das nove.

Não sou de bilhetes de despedida na cabeceira
nem de roupas espalhadas no chão por não terem cabido como deveriam na mala.

Talvez me encontre meio aéreo
numa dessas ruas de paralelepípedos do centro com iluminação baixinha e vinho a três e cinquenta, talvez me encontre no fundo de um desses copos descartáveis que molham o bico como anestésico passageiro pra dores que não se conta mas assume.

Talvez me encontre numa dessas tuas anedotas contadas pra três numa noite como forma de sedução e de um transa garantida por um cruzar de rostos e nomes no fim da manhã não catalogados.

Talvez não me encontre.

domingo, 18 de outubro de 2015

um dia, três outonos

Despedida dando morada a registos fotográficos na velha caixa de fotografias guardada a punho frágil sobre o armário empoeirado no cômodo vazio dedicado a qualquer quinquilharia que a mente é capaz de sustentar.

Passou por mim com os olhos cobertos pelos óculos embaçados de tanto chorar
uma garrafa de conhaque sobre os braços e os botões da camisa abertos
nenhum direcionamento a curto prazo pro corpo esguio com notórios sinais de amadurecimento.

Relutante
estimulante
transcendental
uma seringa sobre o bolso da camisa
os cabelos castanhos claros e os olhos opacos revelando silhuetas seladas por caminhos contraditórios desse mundo de tantos e de nadas.

Olhares de misericórdia apagados pelo vaivém da pirotécnica de luzes coreografadas por um maquinário distanciado.

Meu amigo
fiel companheiro de infância
agora fuma cigarros na escadaria dos desenfreados boêmios e conta das suas histórias com as putas tristes de corações amargos.

Um monologo de Hamlet dito a passos frágeis por uma mexicana melancólica aspirante a traficante barata como forma de auto sustentação de uma utopia contemplativa.

Reunião dos irmãos na sala das cadeiras de balanço
corpos estáticos
quarentões sem perspectiva numa dessas despedidas frias de respostas automáticas
e ainda assim amenas.

Partiu deixado seus pertences pra trás
fugido de uma dividia filha da puta
fugiu com o circo
desde pequeno sempre quis voar





e voou.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

meio-fio transitório.

Estagnado no meio fio da ponte de duas vias
corpo recatado sobre as velhas esperanças contidas antes do ácido bater.

Período de autorreflexão esperançosa refletindo em atos sensoriais de minúcia.
Corpo altivo
bruto
pecaminoso
ferrenho em si e em mais ninguém.

Passagens indescritíveis de violência respondidas em sabe se lá qual desesperança de uma língua estrangeira.

E talvez isso te soe um tanto ridículo ou uma rebeldia sem causa das tuas casualidades e livros sobre psicanalise moderna.

Aqui não jaz.
E os encontro amenos agora são esquecidos como parentesco tardio e flores na lápide dessas de plástico lembradas anualmente em feriado santo.
E a via de duas curvas me transporta pra caminhos já conhecidos e não avaliado pelos olhos
pois o corpo sente
é livre como as taças de vinho deles dois -eles dois- na constelação libertadora dos fins de domingo na praça de cima.

O zodíaco afirma:
tempestade tempestiva sobre o tamborim psicodélico náutico vegetativo das máfias russas aeronáuticas e em toda melancolia regada com os passos não direcionáveis.

Os livros de paginas amareladas e todo o anseio dos antigos donos impressos em cada anotação ou frase grifada como ato libertário de amores antigos.
E as bexigas da loja de conveniência revelando cores e formas de passados inquisitórios e o suor radicado sobre a palma das mãos.

O caos  da cidade não pode ser ouvido ou se quer sentido nem julgado em forma de transito parado ou qualquer arvore podada que dava sombra a caminhos conhecidos pelos braços livres e hoje abriga um enorme estacionamento de supermercado varejista.
O empasse das entradas e portas de saídas dos bêbados amontoados nos enlatados amarelos e toda predestinação mística que guarda um olhar muçulmano.
E há sempre haverá alguém capaz de se identificar com qualquer fagulha ou descrição recente carpintejada por meus dedos.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

duas e três da manhã, aqueles dois, aqueles dois.


Manobrou o cigarro com maestria sobre os lábios.

Naquele dado momento eu sabia
mesmo com todas as certezas
ou ausência delas que pairavam na minha mente eu sabia.
Os dedos trêmulos sobre o papel fino
a risada extasiante iluminando o canto escuro com a lanterna e a corrida pecaminosa daquilo que não se pressupõem (e nem deve).

Os lábios quentes sobre os meus
a língua áspera sobre a superfície da minha pele suada e o toque sombrio sobre a cabeça derrubando meu chapéu de forma inquisitória.

Corpos latentes sobre a escada
a única oferenda
um filtro vermelho
que queimou sobre os meus lábios numa tragada profunda de desgraças recém acontecidas
anotadas
e esquecidas em frações de segundo com a bebida que já não tinha gosto tampouco endereçamento de lábios alheios
                                 e foram tantos...


O corpo tremia
molhado
corrente
frio
às cinco
imune, imundo
falsa felicidade desenhada pela mente
e os reflexos passados daqueles dois
 - daqueles dois -
facilmente anulado pelo amigo ágil de pele clara
lábios avermelhados escondidos na pelagem ruiva da barba em fase inicial de crescimento com um bigode desses estilo salvador dali definitivamente definido e sua dificuldade em bolar um ínfimo baseado com suas dubiedades e os lábios sobre os meus e os dela e de tantas outras na escada de ditos lisérgicos viajantes.
Ele foi
Pegou o taxi e foi
Ela chorou sentada na cadeira branca, enquanto os seus dedos passeavam sobre o meu corpo num desses lapsos de despedida daquilo que nunca se teve
e teve
mesmo que por alguns minutos
me teve.

domingo, 27 de setembro de 2015

embarcação cotidiana entranha numa prateleira qualquer.

Dos registros consumados a punho

ambíguos


relutando qualquer agravamento territorial



das cadeiras desenhadas no foto livro

na confeitaria

a toda a distância

rio de janeiro - roma

do poema copiado da internet

descreditado em uma fotografia em paris

enviada via cartão-postal

selo colado com a saliva

e a dor escondida na caligrafia desenhada

je t'aime



já dizia o livro de auto ajuda.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

o acaso é um caso de número um.



Sorriso tímido moldando o rosto, nenhum tipo de roteirização brindando o território, a partir daqui o acaso é quem dita as regras, os sorrisos, os lampejos de luzes e qualquer tipo de insight que sucederá o encontro.

Conversa desbotando os lábios, nenhum relógio de pulso desenhando linhas cronológicas com início-meio-fim, apenas nossos corpos numa troca energética de amenidades e parecer intransigente de nossa personalidade igualitária. E é chegada a hora, como todo começo é carregado de partida, ele foi, foi nas miudezas do ser, carregado pelo último ônibus, a última linha, a dos boêmios, dos poetas, de pestanas pra gente como eu, e nessa caminhada leve, esvoaçante de vento frio que leva o casaco para as costas, ele foi, se quer sabia como era a pronuncia exata do seu nome, pediu meu número de forma sutil com a promessa de uma volta breve em que as certezas universais ditariam se seria breve essa volta, e não foi, mas o cruzar dos nossos lábios com certa estranheza por minha parte nos primeiros minutos foi sanado por seus dedos percorrendo os fio desajustados do meu cabelo e assim foi.

O corpo volta, esboçando sorrisos de canto de boca, observando olhos alheios, fundos, desconhecidos com histórias recentes tateando o irremediável nos confins da memória. E a semana passa, os calendários são rabiscados, os pensamentos no esquecimento da memória agora visitam a superfície de qualquer corpo em estado de apatia sobre a cama.

Ele levanta todos os dias às seis, no meu contratempo, dos bom dias, das amenidades refletidas no corpo adormecido e das conversas até desgastar os dedos, no fundo da alma de um distanciamento sanado nos fins de semana eu fui.

E lá esta ele

E eu

Nós

Sentados nas mesas insalubres desse ambiente reduzido a luzes fortes e clarões, corpos próximos, ensaiando qualquer tipo de remorso ou dualidade dilacerante, os dedos por dentro da minha camisa de botões, regando meu corpo suado, arrepiando qualquer poro encoberto por calor humano, aproximação com fuga recente relutando nos malditos dedos largos por dentro da camisa de botões ora sobre as pernas ora ajustando os fio do meu cabelo

‘’Vamos dançar’’
e fomos no ritmo indecifrável do bass pesado daquele som de ruídos fortes e olhos escondidos por inúmeras luzes coloridas revelando apenas o que a mente quer ver, os lábios semicerrados, o corpo encostado sobre a parede de tijolos de churrasqueira, a fumaça que encobria o ambiente e os nossos lábios aproximados falando algo que os meus ouvidos não puderam interpretar e mesmo assim foram.



Nessa noite eu não rezei.

domingo, 6 de setembro de 2015

Um desamparo perdido no espaço.



Do cruzar de olhos fatídicos no corredor de azulejos gastos ao desnortear pedante dos nossos corpos suados sobre a área selvagem de características alucinantes

E o corpo meu amigo

Pendente para trás

Ensaiando qualquer minúcia de equilíbrio em ombros alheios

Cigarro latente nos lábios

Cores fortificadas a cada passada cambaleante

Sorrisos eternizados pelo vento

E toda melancolia afogada a prestações

Tentou ser

Não conseguiu

E de tanto tentar

Morreu em pé.



Uma ideia inicial

Afogada por tantas outras

Chamada perdida

‘’Me ligue assim que receber o recado’’

Não ligou

Continuou a imaginar

Tecer na memoria

Os velhos tesões

Os velhos devaneios

As cirandas quando garoto

E o fim fatídico do corpo cambaleante

Caminhando insone

Por entre vielas e umbrais

De uma paris triste de ruas de paralelepípedo

‘’ la vie est douleur’’          Ele disse

Me socorreu em frances 

Disse que eu era o preferido


Entre os outros três.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

prelúdio


Qualquer reflexo de vaidade se lapidando e moldando-se numa carcaça desprovida de dor sobre o espelho, dois botões da camisa abertos, revelando silhuetas e nuances desconhecidas de uma lacuna despudorada jamais desbravada.

Tentou entender-se e de tanto tentar não conseguiu, leu e releu as mensagens que havia escrito para si mesmo como forma de fomentar uma personalidade sem dubiedades e de nada adiantou, continuou inerte num mar de incertezas cultivadas como objeto direto de seus neurônios fadigados.

Escreveu textos e cartas à mão, a quem um dia jurou gostar e no fundo não gostava, escreveu por capricho de menino que não compreende o que sente e é guinado por atitudes de impulsividade ao qual a escassez de auto-observação dita as regras desse monólogo inseparável.

Tentou ser não conseguiu, afundado em prelúdios e monotonia intensa que reluta em forma de céu nublado e caminhada voraz por becos inquietos da cidade jamais desbravada, e é, sempre foi, o que não mata fortalece.

O jeito como segurava o cigarro sobre a mão esquerda
traga de forma automática no fim de cada frase
os dedos opacos, o vestido escuro, o batom vermelho sobre os lábios
Marina, Mar ina, mar que vai
Mar que foi
enquanto as esposas dos astronautas escrevem bilhetes suicidas.

domingo, 12 de julho de 2015

o inesgotável ciclo vicioso que é o deixar ir.


Escrevo, escrevo sem saber por qual motivo escrevo. Escrevo pois escrever me providência respostas pra perguntas tangidas nas lacunas da memória. Escrevo pois sou feito de indecisões e de pensamentos volúveis e corriqueiros e tenho uma expressiva necessidade de coloca-los para fora. É muito mais do que um capricho juvenil que pode ser curado com visitas semanais ao analista, é remexer na memória, é um catar-de-conchas-no-mar, é um trabalho minucioso que requer atenção e sensibilidade para que cada dor seja colocada para fora com seu devido crédito e respeito, não é uma simples história monossilábica contada de vários viés e com diversas portas de saída, é um extremo, um deixar ir ou assumir permanência, um cair de joelhos sobre a própria fraqueza e ficar, ficar, fic(ar).
Eu não sei bem como tudo findou-se e concretizou esse atual estado intitulado de "afunilamento emocional", sabe se lá quantos dias foram marcados e tragados com veemência nesses calendários invisíveis (e indescritíveis) da nossa vida. Sabe se lá quantos passos foram dados de forma imperceptível passando pelo portão da tua casa e lembrando de tudo que nunca aconteceu, ou dessas migalhas atiradas e traçadas como forma de assumir um não desperdício sentimental (e sabe se lá meu amigo se houve sentimento nessas tuas lacunas). É uma coisa que só a cabeça entende, cultiva e multiplica. É uma coisa guinada desde a primeira troca de olhares tímidas (e discreta como reconhecimento territorial de perguntas amenas e assuntos prorrogo) É uma coisa que suspira por dentro, que machuca e cura. É uma indecisão que me desatina, que me acaba, que me apavora. Demorei muito tempo pra perceber e entender toda essa fortaleza criada despretensiosamente por trás dessa minha carcaça frigida de aquariano livre com ascendência em sagitário e lua em aquário, é muito mais que isso. É um caminhar por ruas esburacadas e ainda assim sorrir, é joaninha no portão de casa, é doce na geladeira e filme na sessão da tarde. É tesão corrompido, sentimento de embrulho e vontade de toque, ah o toque, toque que ficou cravado em cada canto meu, em cada vácuo solto das camadas da minha pele, desses teus dedos largos e tímidos usufruindo dos teus suspiros ofegantes de quem não se sentia confortável mais assumia uma postura feroz e hedonista sobre meu lábios. E aqui jaz tudo isso, cada partida tua, cada silêncio meu, cada recato e afastamento por não aceitar esse maldito sentimento criado aqui dentro. E tens outros, deve ter, do jeito que é bonito e auspicioso deve ter inúmeros. E eu não ligo, comigo deve ser diferente, comigo tem mistério, tem devaneios recentes, paisagem sonora e relaxamento com conversas sem noção, comigo tem tudo isso. Mas sinto que devo te deixar partir, na verdade acho que isso é um dever, sinto que não daríamos certo, ambos frios e com focos diferentes em âmbitos da vida. Eu desapegado aspirante a sonhador com viagens sagradas pela guatemala com cristais mágicos, banhos de cachoeira e preceitos tibetanos e tu com a tua vida glamorosa e calculada de contas pra pagar, carro do ano e viagens uma vez em cada semestre, aposto que um noivo engomadinho com lua em leão que seja sério o suficiente pra ti, que te faça torta de morango e ocupe teus porta-retratos de cabeceira.
Ah menino eu gosto de ti, e nem sei por qual motivo gosto tanto, mas eu gosto, e por gostar tanto de ti, te deixo partir.

....................................................................


Eu sou como ela sabe? Ou talvez esboce qualquer similaridade nessa minha vasta personalidade de tanta coisa. Ela tem os lábios tingidos de vermelho, camiseta-manga-três-quartos, lábios borrando-se em paisagens de garrafa de cerveja de supermercado e uma dor incompreensível em sabe se lá qual parte dessa vida filha da puta. Larissa, pestana pra gente como eu, bebe diariamente alguma coisa, alcoólatra aos dezessete, cronista cotidiana retratam-te de amores partidos, diz que aprendeu comigo que escrever números é mais bonito. Mas ora veja essa tua vontade de ser quem tu és e não ser ninguém é que é bonita.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

de volta ao cais// marinheiro viajante quando finca em terra firme fica.

O vão que eu vim
É o mesmo de onde tu deve surgir.


Nossos corpos perplexos, sinuosos e lisérgicos sobre essas catedrais maquiadas de rua sem pavimentação no extremo do teu bairro onde a vida pulsa, respira inquieta e quer gritar.
Já são quase seis, uma hora atrás você me vinha com esse olhar convidativo de Madre-Teresa-de-Calcutá repousando esse papel colorido sobre meus lábios e o silêncio do instante agora grita
 grita
(GRITA)
sinto cada centímetro de mim pulsar
cada célula se movendo e querendo falar
estou suando frio e andando copiosamente atrás de ti que me olha com apreensão
tudo devagar
teus passos
teus lábios sobre os meus
tudo que eu consigo pensar é em julietas e romeus e são tantos...
os carros passam e nos tornamos imunes (imundos) a esse tipo de estrutura estupefata e ronrante
 eu olho árvores e quero tocar e você corre desatinado com um sorriso nos lábios
essa bolsa pesa em meu corpo mas o pouco que me resta de sanidade a mantem aqui bem próxima de mim
como um filho que carrego
sem dizer que carrego.


Estou no ápice de mim
meu coração grita "estou mais vivo do que nunca"
e eu sinto
eu sinto
os teus braços
os teus lábios baforando vinho seco sobre os meus olhos lacrimejantes
movimentos involuntários
paisagismo tibetano
o silêncio da cidade fala
eu sinto  tua inquietação nessas tuas veias saltantes sobre teu braço largo
e na tua ausência de palavras relutantes nesse teu emaranhado de cachos desleixados
Me toca
me toca
da aqui tua mão
me leva nas profundezas do teu tempo corporal
quero entrar em você
por todas as nuances
todos os poros
todas as dores


ei você
não corre exausto e extasiado com as vertentes da tua percepção
el xamanismo
el caminho sagrado
tristessa puta mexicana que me recorre nessa maldita viagem
e seu cachorro intransigente naquele casebre lúgubre é tudo isso que eu penso, estou no ápice de mim, e vêm elas romeiras que percorrem toda a América do sul em busca do conhecimento próprio e reconhecendo as graças de sabe se lá qual Deus.


Meu bem já são quase seis
quase seis.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

paisagem rotatória.


Derramei sobre ti toda minha sistemática intensa e todo o meu descomprometimento transitório. Deixei sobre esses teus dedos largos e tímidos vertentes minhas pecaminosas e únicas reverberadas nas gavetas da tua memória. Tracei sobre meu pé um caminho diário remetente a projeções futuras ou acontecimentos recentes afunilados sem beijo de despedida, apenas o toque, sobre os ombros, revelando ossos saltantes e inseguranças por parte do nosso conhecimento comum sobre óticas alheias (e que óticas! miopia revelada desde os seis anos de idade conjurada com uma barba mediana anunciando o início de uma maturidade percebida apenas agora que os olhos permitiram-se ver) e eu fui, salientando tudo aquilo que minha memória permitiu-se fotografar, o toque recente, a iniciação e a minha inquietação revestida de ansiedade insegura. Eu queria poder traçar um rumo pra tudo isso, ou uma linha cronológica direcionada sempre para frente, onde as dores de um passado não atrapalhassem e a fadiga provocada por rombos emocionais não afetassem todo o caminho a ser percorrido.
E assim findou-se, nessa caricatura fria e astuta e sonhadora de menino nos seus um metro e tantos percorrendo os corredores da minha casa, sentado na cabeceira da minha cama adiando um futuro incerto finalizado com o toque dos lábios, cruzar de corpos ritmados por trilha sonora pré fabricada e nenhum parecer assumindo apenas uma objetificação sexual tardia conquistada. E parte, vai para longe, passeio na praia com o teu novo benzinho em feriado santo. Vai! Sentimentos aniquilados como aquelas árvores que davam sombra aos teus caminhos e hoje dão morada a um estacionamento de supermercado varejista. Parte! Parte! Parte! (pra longe de mim).

quarta-feira, 24 de junho de 2015

1h19min


Cafeína estimulante, frígida, amarga. Noite qualquer, solidão no bolso, amargo na garganta, ausência de sabe se lá o que no coração. Sentimentos dilacerados, fadigados e não explicados. Lembranças que viraram alimentos pra alma, reencontros que suspiram e trouxeram realidades esquecidas à tona. Algo sempre parece faltar. Lacunas, rombos que nunca vão ser preenchidos. Conversa a desbotar os lábios, costas erguidas sobre calçadas insalubres, afago qualquer num peito inquieto, suspiro. Dedos sobre o rosto, presença em corpo, ausência em mente. Me dei, não recebi. Sombras, relances, canto-de-olho, nuances. Do sorriso ao suspiro. Fins soviéticos. Cigarrilha russa, um filme do Bergman como retrato de uma total identificação de peito e alma. Incompreensão, insatisfação, promessas feitas por lábios meus, que não serão cumpridas. Procrastinação qualquer, o corpo feito linha solta desbotando sobre a cama. Ausência de quem um dia me quis bem. Carta sobre a cabeceira da memória relutando o espaçamento de tempo e eclodindo feito mantras budistas sangrados em romarias tibetanas e pagadoras de promessa de todo o norte mexicano. Liturgia notória, diária seguindo a mesma ascensão de dor. Lábios tingidos de batom vermelho relutam o olhar do secretariado da clinica analítica, e o teto gira, tua solidão é minha companhia.

um dia eu fui

Despedida recente sem troca de olhares ou aperto de mão, contratempo desqualificando qualquer tipo de cordialidade ou política de boa vizinhança.
Nossos corpos ali, atirados, usando um ao outro como zona de conforto para nosso cansaço recente refletido em cada gota de suor e em cada fala mansa e despretensiosa.
O eco da partida ficou, dirigiu-se correndo em direção ao ônibus, um toque de mão gelado e desesperador cravado nas digitais da mão esquerda, palavras não ditas em um segundo e os pés caminhando no mesmo trajeto diário com o vento a percorrer cada centímetro do corpo inquieto. Pensamentos, flores mortas por descuido, procrastinação, mais uma hora, e já foram duas, não senti tua partida, embora tenha contemplado os teus passos velozes pra longe, tão distante que se quer meus braços largos podem alcançar.
Ciclo vicioso diário, notas de violão a quem interessar, a quem ficar. Abraços em quem o corpo já conhece e sente falta. Abraços em desconhecidos que dão seu peito como morada.
E eu fui
Um dia eu fui.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

retrato de uma nostalgia antecipada


sexta feira qualquer
fazia frio
chão molhado anunciando uma chuva recente
meu corpo ali
inerte sobre a fila da festa eletrônica alucinante onde as luzes são brilhantes fumando um cigarro qualquer
com os olhos fixos
em tudo
e ao mesmo tempo
em nada
mente vazia
nenhum pensamento relutando a memória
de repente um toque qualquer e firme    sobre as costas
bem próximo a cintura
ignorei
afinal a fila encontrava-se
entupida de ventres alheios
em movimento de rebuliço
de novo
ele
o toque
dessa vez firme e pontiagudo
seguido de uma voz tímida meio rancorosa
as ondas sonoras daquela voz
tocaram a minha nuca seguindo de um bafo de cerveja recente
virei
olhos escuros
alucinantes
em transe
de olheiras fundas como velhos sonhos abandonados pelo tempo
lábios vermelhos
cobertos por uma barba em fase de recém crescimento
meio falha
repetiu o que os meus ouvidos não conseguiram interpretar
"tem isqueiro?"
"não"
"posso acender meu cigarro no seu?"
"claro"
traguei o cigarro
com toda a força que havia em meus pulmões
(era possível ver o filtro se dissolvendo a pó)
soltei a fumaça ao léu
sobre a imensidão da fila sem fim
entreguei o meu cigarro em seus dedos largos
acendeu
esboçando certa dificuldade
dedos trêmulos
mente em processo inicial alucinatório lisérgico
agradeceu
perguntou alguma coisa que os meus ouvidos não puderam interpretar
"ã, não entendi"
 "qual é o seu nome"
"Vinícius"
"prazer"
"prazer"
recolhimento de ingressos
pulseira azul sobre o punho
um novo cigarro acendido
cubos coloridos penetrando a lingua
corpo em direção aos portões de entrada
uma voz recém conhecida no fundo
"vê se não foge de mim"
  Não fugi.

terça-feira, 2 de junho de 2015

retalhos/atalhos


Passos velozes em direção a uma saudade inadiável
treze quarteirões
trinta minutos de caminhada
chegada
prédio de azulejos azuis
trezentos-azulejos-azul-turquesa, seiscentos-azulejos-azul-piscina
dois quarteirões do mar.
Passo por entre o hall de entrada
dou boa tarde ao porteiro que ouve inquieto a copa libertadores no seu radinho de pilha
elevador quebrado faz doze dias
me dirijo ao vão de escada
cento-e-trinta-e-quatro-degraus subidos de forma veloz, perdido entre corredores iguais
apartamento trezentos-e-vinte-e-um
bato na porta inquieto
um-dois-três
ninguém
repito a batida agora de forma forte e veloz
você com voz de sono grita "já vai", envolto em cobertores
abre surpreso a porta e nessa altura do campeonato nada mais importa
nada nos separa
os abismos
os vãos de escada
o elevador quebrado
tampouco os quarteirões
que dividem a minha casa da sua
nada
nadinha
somos eu e você
nossos corpos
numa união que não encena partida.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

arranha-céus e não se vê mais céu


Passos policiados por ruas matinais recém molhadas pelas chuvas de abril. O silêncio acena como sinal de despedida em cada fechar de chaves nos automóveis de ultima geração, em cada fagulha de janela fechada noite passada como desprendimento e cautela. Rostos inchados e cabelos molhados anunciam um despertar recente de quem se escolheu ser, pastas sobre a mão esquerda, café de rua em copo descartável na direita. O peso da mochila não é maior que o do mundo. Portas abertas de padarias já conhecidas, retratos pingados sobre velhas lembranças, passeios infiéis sobre inutilidades cravadas em reflexos indesejados de espelhos alheios. Ajuste fugaz e discreto das vestes como requerimento de uma política de boa vizinhança, coque no cabelo, saia lápis, manga três-quartos. Ausência tangida em sola de sapato, punho frágil e sabe se lá qual lembrança imaculada nas gavetas da memória. Fungar de narizes inquietos, dedos aflitos na fila da banca de revista, notícias populares, inflação, previsão do tempo, bem estar e qualidade de vida colidindo com o olhar inquieto e apressado fixo no relógio de pulso. Taxas homicidas, coleta consciente de lixo, a chuva que vem para brindar o corpo e a saudade que passou de bicicleta.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Letícia dedo-de-flor.


Lhe escrevo, quatro e quinze da manhã de uma sexta-feira chuvosa. Lhe escrevo enquanto os meus braços não vão de encontro aos teus, e tuas dores sangram pelos lábios meus.
Pequena mulher, habita o décimo -primeiro-andar, motivo pro meu ficar, é lá que é o meu lugar.
Sapatos tamanho trinta e seis calejados de uma ausência que não pode ser preenchida de uma hora pra outra. Lábios vermelhos como sangue em corrente sanguínea de amores ruins. Traja casaco sempre nesses idas e vindas pelo centro velho, tem como boa companhia nas matanças de aula o cinza da cidade e a exatidão sensível de seus pensamentos, vez ou outra vomitados num caderno sem pauta de folhas brancas. Menina astuta, mulher volúvel, sensível e cabreira, gosta de sair aos fins de semana, bebe às vezes! Cultiva dentro de si uma espécie de "universo particular experimental" ao qual se mantem presa e ao mesmo tempo livre. É de tantos alguéns e não é de ninguém, indefinida, ilimitada. Diversas qualidades e uma sensibilidade aguçada que sangra os ossos a quem permitiu-se ver. Tem lá seu senso de humor, seus momentos de dor... Mas no fundo... No fundo... Eu só vejo amor.
Projeções futuras que vão de encontro as minhas, alguns metros quadrados de apartamento, um punhado de plantas, leva na pele palavras em russo e no coração um turbilhão de coisas que não cabe na mão.




Batuque de tambor

um buquê de flor

recolhe tua dor

E pedala até

O

Teu

Amor.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

solidão é essência

Não me mande cartas, pois o tempo é de chuva, lá fora e aqui dentro de mim. Eu não quero as gotículas que penetram minha caixa de correspondências molhando tua caligrafia desenhada.
Não me telefone, não ofereça dinheiro ao porteiro do meu prédio para que te deixe subir sem ser anunciado.
Não me faça surpresas inesperadas, eu gosto do meu tempo sozinho sabe? Eu gosto de sentir falta e eu gosto do afago que um momento de solidão trás. Se quiser partir, faça. Partidas aqui são constantes e certas. Parta para longe onde esses meus lapsos de humor não lhe causem aflição. Arrume outro alguém, chame de meu bem. Eu to feliz aqui, com essa cara apática de tanta aspirina ingerida sem prescrição médica e esse chá de barbitúrico. Não te massacres com projeções ignóbeis do que eu nunca vou poder lhe dar. Amor, e todos esses sinônimos, adjetivos que o carregam. Eu gosto do meu tempo sozinho. 
E o carnaval está bem ai, só me resta sorrir,

fez, foi.


Insuficiência refletida sobre o espelho. Lágrimas contidas para não borrar a maquiagem. Carcaça de mulher forte em corpo de menina. Lábios finos pintados de vermelho. Pele clara, áspera e sadia. Camisa manga três/quartos. Saia de cintura alta. Sorriso de orelha a orelha. Infelicidade que transborda a alma. Vestir uma mascara diária de astúcia para esconder a solidão. E a noite chega. Banho quente, macarrão instantâneo, contas pra pagar e Maria Bethânia no velho radio a prestações. Quase trinta anos e nenhuma alegria para chamar de sua. Sem filhos, sem cachorro, sem gato. Só ela e o cigarro. Traga, traga o cigarro como quem grita em desespero. Lê livros de auto-ajuda e não se ajuda. Vai a missa aos domingos. Faz promessas e crochê. Bordou uma toalha para a missa natalina, a vizinha setentona com inveja bordou uma mais colorida e cheia de detalhes. O padre coitado por apreço a vizinha escolheu sua toalha. A da moça agora só pra missa do galo.


E ela fumou mais um cigarro...

um dia // seis outonos. ausência // partida // perfume

ausência do que nunca tive
e mesmo assim senti
ausência de um fim sem começo
e de projeções românticas incertas
Corpo também transborda
E o oceano que nos separa só não é maior que às lagrimas que brotaram em meu rosto
Antes eram dezesseis, hoje são milhas e milhas
Tantos aviões saíram dai e pousaram aqui e você não estava em nem um deles
O corpo sentiu
E os braços também...



Nessa noite eu não rezei.

vaga noite de insônia, produções sem valor nenhum.

Insuficiência refletida sobre o espelho. Lágrimas contidas para não borrar a maquiagem. Carcaça de mulher forte em corpo de menina. Lábios finos pintados de vermelho. Pele clara, áspera e sadia. Camisa manga três/quartos. Saia de cintura alta. Sorriso de orelha a orelha. Infelicidade que transborda a alma. Vestir uma mascara diária de astúcia para esconder a solidão. E a noite chega. Banho quente, macarrão instantâneo, contas pra pagar e Maria Bethânia no velho radio a prestações. Quase trinta anos e nenhuma alegria para chamar de sua. Sem filhos, sem cachorro, sem gato. Só ela e o cigarro. Traga, traga o cigarro como quem grita em desespero. Lê livros de auto-ajuda e não se ajuda. Vai a missa aos domingos. Faz promessas e crochê. Bordou uma toalha para a missa natalina, a vizinha setentona com inveja bordou uma mais colorida e cheia de detalhes. O padre coitado por apreço a vizinha escolheu sua toalha. A da moça agora só pra missa do galo.

E ela acendeu mais um cigarro...

Nuances.

Contrai o corpo gélido sobre uma indiferença exorbitante de causas humanas, ausências e partidas. Telefonemas revestidos de encorajamento e bilhetes por baixo da porta. Flores mortas por capricho e descuido retratado como inocência. Sentimento de inutilidade escorrendo feito suor radicado numa luta diária contra o próprio fracasso. Os dedos trêmulos e castos policiam doses matinais de pílulas milagrosas resultantes de horas de sofrimento sobre o divã do analista. Os pés se retraem num afago que ecoa saudade do que nunca foi seu.
Ele ali na cama, tecendo os dedos largos sobre o aparelho de última geração e eu aqui tateando momentos imprevisíveis com o seu ventre completamente nú na mente. Eternização de momentos que não voltam. Domingo passado, calendário na parede relutante em lembranças e riscos misericordiosos. Tic-tac absolutista do relógio de ponteiros que provocam voltas na mente. Fagulhas de pó, rolhas de vinhos, cacos de vidro deixados como certeza de partida. Livro de cabeceira medido miraculosamente por entre os olhos. Cigarro tragado com paciência. Curiosidade impulsionando os lábios. Memórias pueris, toque de piano, o vento da tarde, balanço de rede, samambaia na varanda. Voltas-que-o-mundo-dá. Complicações, imperfeições, colisões. Insuficiência, morte antecipada. Chuva da manhã, velha nostalgia complacente, álbum de família, notícias populares e a saudade que passou de bicicleta. Ele tem tantos outros alguéns e eu não tenho ninguém.
Garrafas de uísque, reticências tristes, caixeiro viajante e o novo dia que vêm pra nós brindar. Mundo de tantos outros e tantos anos. Música entranhada nas galerias da memória. Impressões digitais da tua mão na minha. Bilhete na geladeira e foi.

terça-feira, 28 de abril de 2015

toda mala é carregada de partida.

Corpo em total exaustão reflete longas noites não dormidas. O cheiro de nostalgia recente é notável nos meses de janeiro. Terra molhada, chaleira apitando, som de maquinas de escrever redigindo cartas que nunca serão entregues.
O silêncio visto daqui é estranho, doloroso e escuro. O galo da minha vizinha canta sempre as cinco. Os pássaros fazem seu barulho matinal acolhedor e o meu corpo se retrai numa ausência do que nunca se teve. Festividades passadas ressurgem de forma misteriosa em forma de louça empilhada sobre a pia. Os pernilongos deixam marcas que só os dedos podem sentir na pele. O avião passa em direção a pista de pouso, turbinas fazem zoada. O silêncio morreu, assim como eu.
O nublado do céu provoca uma atmosfera de quentura que me causa lágrimas nos olhos. O rádio é ligado pelo meu avô. O café esta sendo passado de forma manual, no forno. Os lábios cantarolam uma marchinha desses antigas. Os dedos calejados de tanto digitar pautas jornalísticas agora batem no ritmo da marchinha sobre a mesa de madeira enquanto água do café se aquece. Minha avó assiste ao telejornal matinal, taxas de homicídios fazem com que ele troque de canal até encontrar um  para os seus olhos repousarem. O galo ainda canta. E o café esta na mesa e a tua partida cortou minhas certezas.

domingo, 26 de abril de 2015

Deixar ir.

Mágoa:

s.f. Ressentimento; sensação dolorosa causada por uma decepção, por uma ofensa ou indelicadeza.

Tristeza; estado de espírito da pessoa que sente desgosto, tristeza, pesar: sentia mágoa da mãe.

Figurado. Inveja; vontade incontrolável de possuir o que pertence a outra pessoa: tem mágoa da felicidade alheia.

Uso Antigo. Impureza; mancha provocada por uma lesão.

(Etm. do latim: macula.ae)





Escrevo fora do habitual, fora da velha zona de conforto entranhada num cubículo minusculo onde nem todas as dores podem entrar. Escrevo, pois quando a melancolia bate a porta ela tem que ser digerida com calma, gota por gota, como fios de açúcar em bolo de festa infantil.
Sabe se lá quais os fatores e razoes que levaram ao definhamento dessa relação, sabe se lá qual o caos que se instaura nas tuas entranhas submissas a tantos, sabe se lá quais os fatores que te levaram a partir sem ao menos deixar um trecho de despedida ou uma carta escrita a mão, rabiscada qualquer grudada na porta da geladeira.
Nas tuas mãos eu fui personificação, fui passatempo, fui desejo e alento pros teus desejos carnais, me joguei nos teus braços sem medir os riscos, me atirei nas tuas entranhas súbitas de cabeça e hoje o que me restou foi só tua tristeza. Pegou meu corpo fez de pião, e girou, girou nos teus lábios, nos teus braços e nos teus armários súbitos como forma de esquecimento.
Mas sabe? a ideia da tua partida em si não me causa melancolia, é uma tristeza passageira de quem já foi de tantos e de ninguém, outros virão por entre os meus braços, serão alento, serão dor, serão flor, me provocarão arrepios intensos mais fortes e ou tal qual os teus, mentirão e depois deixarão rastros de partida nos corredores jamais pisados com os sapatos surrados de tristeza cotidiana. A vida é isso sabe? essas partidas, essas lembranças, essas dores (que te tornam mais fortes) essa inquietação esperando o ônibus essa habituação, esse deixar ir. Deixar ir...

sexta-feira, 24 de abril de 2015

obituários

Não se sabe o que foi além de secretaria do escritório de análise, pestana pra gente como eu e frequentadora assídua das missas no dia de semana na igreja de nossa senhora de Nazaré. Não sabe de onde veio, sabe se pra onde foi, partiu, morreu, teve o corpo atrelado sobre uma superfície vazia e fria de mármore e virou apenas estatística. Seu endereço agora tem hora e lugar, demarcação territorial limitada, sete palmos do chão no cemitério São João. As manhãs de quinta-feira jamais serão as mesmas, os sorrisos soltos ao vento resultado de histórias cotidianas já não terão o mesmo peso, as instruções fraternais ficarão findas no filtro da memória suscetíveis a esquecimento. E o sorriso virou alento.

sapato azul//

o teu sapato azul:
me lembra mar
me lembra lar
me lembra "ficar"
O teu sapato azul
É conforto
É alento
É sustento
O teu sapato azul reveste os teus pés enquanto caminha até mim
O teu sapato azul te acompanha no meu fugir.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Sinais



Eu preciso escrever, o tempo crava marcas em mim, marcas que nunca vão sair.

Escrevo sem sentido, sem dedos.

Escrevo no ônibus, no vão da escada, no intervalo qualquer com os pés cansados sobre uma parede de tinta-fresca, apenas escrevo.

Escrevo, escrevo a minha dor, escrevo o meu amor, ou a falta dele, apenas escrevo por escrever, sem técnica, sem horizonte, e nem sei pra onde, apenas escrevo.

Escrevo com a frieza e a destreza, escrevo com a pujança sobre bilhetes de loteria, ou um papel qualquer encontrado numa taberna de bar, escrevo.

Escrevo enquanto ele que nunca foi de ninguém se diverte com outros alguéns, eu escrevo. Escrevo enquanto caminho, enquanto me desatino, escrevo.

Desabrochar.



Costas erguidas sobre a cadeira,

obituários tateando a mente,

histórias tracejadas no alto de longos anos, rostos esquecidos sobre móveis emoldurados por portas retratos,

missa de sete dias como sinal de lembranças recentes de uma dor não amenizada.

Dentes amarelados numa anunciação de longos anos como fumante, e foi.

Tudo que restou foi flores, flores de jardins alheios, flores de obituários, flores no altar da igreja, flores adormecidas sobre velhas janelas de tantos rostos, flores adormecidas marcadas de dor, e ainda assim, apenas flor.


remetem-te



Quase oito da manhã, revezo o olhar entre a tela em branco desse bloco de notas e o relógio de ponteiros agudos da minha cozinha.

Cheiros, sensações e um frescor de chuva recente no ar me transportam nos meus tesões mais inquietos.

Nos devaneios, nas lembranças pueris, sessão da tarde, doces na geladeira e joaninha fazendo o portão da minha casa de morada. Inquietação, desesperança seguida de uma esperança qualquer que ressurge como fio aceso em pólvora.

ácido, engole que não arde.



Não me venha com sinônimos, palavras difíceis, bem redigidas, carta bem pontuada, alinhamento cordial como nas aulas de datilografia. Não me venha verbalizar a palavra amor, não me venha contar da tua dor, não venha. Não me venha com apelidos carinhosos, bilhete na geladeira, porta retrato no móvel e nem almoço de domingo. Não me venha com programa a dois, ou com agrados e retalhos que você fitou em mim, não tente me agradar, nem me dar os beijos mais apaixonados, não venha. Eu não sou Maria Madalena, Madre Teresa de Calcutá ou uma freira vaticana, jovem sonhadora apaixonada. Eu sou uma puta qualquer, sou da realidade, sou de vários e não sou de ninguém, sou objeto na mão de quem me quer, e de quem eu quero, eu sou da solidão, da dor, da meia luz na poltrona e da fumaça de cigarro vencido. Eu não tenho esses teus sonhos de amor, esse teu idealismo ignóbil de uma casa num condomínio residencial e uma família de coluna social. Eu não sou assim e nem quero. Não tente me mudar, não tente querer me mostrar que o amor é diferente ao seu lado, ele não é. Eu conheço todas as nuances, uma-por-uma, dor por dor, tragadas, observadas e sangradas dentro de mim. Procure outro alguém, deseje e queira bem pois nesse teu mundinho fantasioso eu não sou ninguém.

precipício.



bloqueio, estupefato, intransigente, gastura, dor no peito e ausência de um punhado de palavras.

Textos lidos, esquecidos.

Cartas escritas, não mandadas, ou esquecidas, reendereçadas.

Sorrisos lapidados, ausentes, contentes, sorrisos que nunca foram meus, redigidos por lábios ateus.

Precipício criado por mim, e daqui não ei de sair.

Me entreguei, me joguei, quis ficar fui pra lá.

Anedotas.



Seu zico, meu vizinho, setenta anos e muita história pra contar! Cabelos alvos assumidos sem nem uma restrição. Usa o mesmo perfume desde mil-novecentos-e-setenta-e-quatro. Faz cruzados, joga dama, sai com os amigos, nunca viu o Grêmio ganhar uma libertadores, bebe às vezes! Dia desses me deparei no meio da correspondência de seu zico um boleto de pagamentos do cemitério “parque das águas verdes” esboçava-se um slogan feliz, alegre, alegava uma morte segura. No ônibus um cara lê crime e castigo e o tempo é o meu desatino

ausência II (e tudo já virou rotina)



E são tantos questionamentos, tantos ciclos viciosos que se concretizam nessa revolta diária, tantos dedos entrelaçados por corpos alheios sem nenhum fundamentalismo, absorvidos por apenas uma ideia hedônica de satisfação. Relações pessoais divergidas entre juras ridículas de amor e uma finalidade trágica de causas impossíveis, “a felicidade” como utopia. Passos pesados lá pelas tantas, sete e três da manhã de uma noite qualquer onde a insônia diária resolveu bater na porta. Descobertas inquietas de um alguém que um dia desejei e quis bem, agora tem outro alguém a sua disposição, soube que foram ao cinema, ele deve ter lhe dado o que eu nunca dei: O afago inquieto do meu peito vazio. Nos primeiros minutos foi difícil lidar com a ideia estabelecida de que um alguém que um dia quis bem definhou entre laços e abraços e se entregou por alguém. Mas não me inquietei num martírio de teledramaturgia das nove, pelo contrário, por mais que os meus olhos carregassem o peso do fracasso, eu sorri! Ah eu sorri, sorri de amargura e com a certeza de que não era eu, e nunca fui eu capaz de me entregar de corpo pra um alguém. Eu sou retraído, recato de convento e procissão, eu preciso do meu “tempo sozinho” sabe? Quando chegar me oferecendo muita atenção eu vou querer que vá embora, vou inventar qualquer desculpa, eu gosto de mim sozinho sabe? Eu gosto de me alimentar do processo criativo que a solidão representa, porém é tão dolorido imaginar, apenas imaginar, aquele alguém que durante noites a fio de projeções de tuas insônias e de teus desejos carnais. Levo no peito a tua vontade de ser meu e de não ser de ninguém. Ser do mundo e pro mundo. Levo também a visão não consumada de teu ventre nu sobre a minha cama numa tarde qualquer. Levo tuas palavras que ficam cravadas na memória feito musica da banda mais bonita da cidade, levo.

"o tempo''



Nessas minhas idas e vindas por lugar nenhum me deparo com situações corriqueiras que aguçam o meu processo criativo. Isso aqui foi escrito num banco de ônibus qualquer, numa terça feira qualquer. Moço dormindo no ônibus, intitulei de “o tempo”


Os meus olhos te fitam quase que inconsistentemente. Sentado nesse banco com os dedos apoiados no acento da frente você adormece, adormece pois nada pode fazer, parece cansado, destilado, com um jornal de classificados e uma revista caça-palavras no colo. Roupas não passadas cobrem o teu ventre moreno de sol, tua camisa floral esconde um pouco da sua barba por fazer, os teus olhos inquietos vez ou outra abrem-se para checar se passaste do ponto, movimenta a boca de forma amena como quem esboça preocupação qualquer ou a ausência de tal, sabe se lá. E eu aqui, olhando pra ti, como quem olha extasiado uma tela de cinema, um filme do Godard. Que mistérios escondem os teus olhos fechados numa carcaça boêmia de jovem astuto recém chegado na cidade grande? Quais mistérios escondem os teus pés inquietos vestidos por um par de sandálias de couro surrado? Quantos caminhos já percorreste antes de chegar ao presente momento ao qual intitulamos de agora? Quantos lábios foram de encontro ou desencontro aos teus? Quantas revistas caça-palavras foram preenchidas por entre esses teus dedos de unha roída? As respostas eu não sei, é chegada a hora, meu ponto é o próximo eu tenho que ir embora.


Adormece!