quarta-feira, 24 de junho de 2015

1h19min


Cafeína estimulante, frígida, amarga. Noite qualquer, solidão no bolso, amargo na garganta, ausência de sabe se lá o que no coração. Sentimentos dilacerados, fadigados e não explicados. Lembranças que viraram alimentos pra alma, reencontros que suspiram e trouxeram realidades esquecidas à tona. Algo sempre parece faltar. Lacunas, rombos que nunca vão ser preenchidos. Conversa a desbotar os lábios, costas erguidas sobre calçadas insalubres, afago qualquer num peito inquieto, suspiro. Dedos sobre o rosto, presença em corpo, ausência em mente. Me dei, não recebi. Sombras, relances, canto-de-olho, nuances. Do sorriso ao suspiro. Fins soviéticos. Cigarrilha russa, um filme do Bergman como retrato de uma total identificação de peito e alma. Incompreensão, insatisfação, promessas feitas por lábios meus, que não serão cumpridas. Procrastinação qualquer, o corpo feito linha solta desbotando sobre a cama. Ausência de quem um dia me quis bem. Carta sobre a cabeceira da memória relutando o espaçamento de tempo e eclodindo feito mantras budistas sangrados em romarias tibetanas e pagadoras de promessa de todo o norte mexicano. Liturgia notória, diária seguindo a mesma ascensão de dor. Lábios tingidos de batom vermelho relutam o olhar do secretariado da clinica analítica, e o teto gira, tua solidão é minha companhia.

um dia eu fui

Despedida recente sem troca de olhares ou aperto de mão, contratempo desqualificando qualquer tipo de cordialidade ou política de boa vizinhança.
Nossos corpos ali, atirados, usando um ao outro como zona de conforto para nosso cansaço recente refletido em cada gota de suor e em cada fala mansa e despretensiosa.
O eco da partida ficou, dirigiu-se correndo em direção ao ônibus, um toque de mão gelado e desesperador cravado nas digitais da mão esquerda, palavras não ditas em um segundo e os pés caminhando no mesmo trajeto diário com o vento a percorrer cada centímetro do corpo inquieto. Pensamentos, flores mortas por descuido, procrastinação, mais uma hora, e já foram duas, não senti tua partida, embora tenha contemplado os teus passos velozes pra longe, tão distante que se quer meus braços largos podem alcançar.
Ciclo vicioso diário, notas de violão a quem interessar, a quem ficar. Abraços em quem o corpo já conhece e sente falta. Abraços em desconhecidos que dão seu peito como morada.
E eu fui
Um dia eu fui.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

retrato de uma nostalgia antecipada


sexta feira qualquer
fazia frio
chão molhado anunciando uma chuva recente
meu corpo ali
inerte sobre a fila da festa eletrônica alucinante onde as luzes são brilhantes fumando um cigarro qualquer
com os olhos fixos
em tudo
e ao mesmo tempo
em nada
mente vazia
nenhum pensamento relutando a memória
de repente um toque qualquer e firme    sobre as costas
bem próximo a cintura
ignorei
afinal a fila encontrava-se
entupida de ventres alheios
em movimento de rebuliço
de novo
ele
o toque
dessa vez firme e pontiagudo
seguido de uma voz tímida meio rancorosa
as ondas sonoras daquela voz
tocaram a minha nuca seguindo de um bafo de cerveja recente
virei
olhos escuros
alucinantes
em transe
de olheiras fundas como velhos sonhos abandonados pelo tempo
lábios vermelhos
cobertos por uma barba em fase de recém crescimento
meio falha
repetiu o que os meus ouvidos não conseguiram interpretar
"tem isqueiro?"
"não"
"posso acender meu cigarro no seu?"
"claro"
traguei o cigarro
com toda a força que havia em meus pulmões
(era possível ver o filtro se dissolvendo a pó)
soltei a fumaça ao léu
sobre a imensidão da fila sem fim
entreguei o meu cigarro em seus dedos largos
acendeu
esboçando certa dificuldade
dedos trêmulos
mente em processo inicial alucinatório lisérgico
agradeceu
perguntou alguma coisa que os meus ouvidos não puderam interpretar
"ã, não entendi"
 "qual é o seu nome"
"Vinícius"
"prazer"
"prazer"
recolhimento de ingressos
pulseira azul sobre o punho
um novo cigarro acendido
cubos coloridos penetrando a lingua
corpo em direção aos portões de entrada
uma voz recém conhecida no fundo
"vê se não foge de mim"
  Não fugi.

terça-feira, 2 de junho de 2015

retalhos/atalhos


Passos velozes em direção a uma saudade inadiável
treze quarteirões
trinta minutos de caminhada
chegada
prédio de azulejos azuis
trezentos-azulejos-azul-turquesa, seiscentos-azulejos-azul-piscina
dois quarteirões do mar.
Passo por entre o hall de entrada
dou boa tarde ao porteiro que ouve inquieto a copa libertadores no seu radinho de pilha
elevador quebrado faz doze dias
me dirijo ao vão de escada
cento-e-trinta-e-quatro-degraus subidos de forma veloz, perdido entre corredores iguais
apartamento trezentos-e-vinte-e-um
bato na porta inquieto
um-dois-três
ninguém
repito a batida agora de forma forte e veloz
você com voz de sono grita "já vai", envolto em cobertores
abre surpreso a porta e nessa altura do campeonato nada mais importa
nada nos separa
os abismos
os vãos de escada
o elevador quebrado
tampouco os quarteirões
que dividem a minha casa da sua
nada
nadinha
somos eu e você
nossos corpos
numa união que não encena partida.