terça-feira, 10 de maio de 2016

no tempo dos affonsinhos.


Nota do autor: é recomendado que no final de cada frase lida seja feita uma pausa tão longa quanto uma respiração que prende os pulmões.




Ele sozinho na cidade grande

Apunhalado pelas possibilidades
e amordaçado pelo mapa das estações de metrô

Ele e os letreiros luminosos dos hotéis de nenhuma estrela

Ele e seu primeiro emprego de redator num desses jornais que ninguém nunca lê

Encarregado de enquadrar em fonte padrão o anúncio das putas e todo o seu leque de atividades descritas sem qualquer cautela

Ele e eles

Um por noite

Um pernoite

No mesmo ponto

Quitinete paupérrima numa dessas marquises do elevado Costa e Silva

Ele e o pente de mão

Cabelo enquadrado

Bigode lapidado com tesoura cega

Ele e o banho de gato

Ele e o copo de café com leite num copo sem asas

No vaivém da rodoviária

Ele o retrato na parede

Ele e a xilogravura

Ele o espaço

E o tempo que passa

E não para.

domingo, 1 de maio de 2016

nota de número dois.

Você vai embora
E sempre acontece o mesmo ritual:

Me certificar te girado três vezes em sentido horário o molho de chaves

Observar o céu durante três minutos e ver o embaraço das nuvens (tempestade breve, fechar as janelas)

Virar novamente os porta retratos para que possam ser vistos (convenhamos, trepar com toda a família te fitando é meio embaraçoso)

E o mais dolorido

Colocar os lençóis com o cheiro do teu sexo pra lavar.

Das coisas que eu não deveria ter esquecido. // rotinas definham memórias // álbuns de fotografia se apagam com o tempo//

Ventrículo intracelular

Pulmão asmático

Sorriso de canto

Marca de batom no filtro do cigarro

Pegadas tamanho quarenta e quatro na areia

Papel meticuloso sobre a língua

Estimulante branco deliberando adrenalina na carnificina nasal

O toque apático dos braços livres se cruzando na cama de lençóis brancos

Sinos de igreja batendo às seis

A habitual dança das árvores

O céu laranja de outubro

Joaninha no portão de casa

Cortador de unha definhando raízes de girassol

Desamparo maternal

Mais uma dose

Forte

Seca

E breve

Lábios brancos

Possivel quadro de desidratação

Morfina é para dor

Viver já me consome demais

Mais uma

Pequena como passarinhos no ninho

Ecos?
Ecos do que um dia eu jurei ser
E não fui.

Não te telefonei.