quarta-feira, 29 de abril de 2015

solidão é essência

Não me mande cartas, pois o tempo é de chuva, lá fora e aqui dentro de mim. Eu não quero as gotículas que penetram minha caixa de correspondências molhando tua caligrafia desenhada.
Não me telefone, não ofereça dinheiro ao porteiro do meu prédio para que te deixe subir sem ser anunciado.
Não me faça surpresas inesperadas, eu gosto do meu tempo sozinho sabe? Eu gosto de sentir falta e eu gosto do afago que um momento de solidão trás. Se quiser partir, faça. Partidas aqui são constantes e certas. Parta para longe onde esses meus lapsos de humor não lhe causem aflição. Arrume outro alguém, chame de meu bem. Eu to feliz aqui, com essa cara apática de tanta aspirina ingerida sem prescrição médica e esse chá de barbitúrico. Não te massacres com projeções ignóbeis do que eu nunca vou poder lhe dar. Amor, e todos esses sinônimos, adjetivos que o carregam. Eu gosto do meu tempo sozinho. 
E o carnaval está bem ai, só me resta sorrir,

fez, foi.


Insuficiência refletida sobre o espelho. Lágrimas contidas para não borrar a maquiagem. Carcaça de mulher forte em corpo de menina. Lábios finos pintados de vermelho. Pele clara, áspera e sadia. Camisa manga três/quartos. Saia de cintura alta. Sorriso de orelha a orelha. Infelicidade que transborda a alma. Vestir uma mascara diária de astúcia para esconder a solidão. E a noite chega. Banho quente, macarrão instantâneo, contas pra pagar e Maria Bethânia no velho radio a prestações. Quase trinta anos e nenhuma alegria para chamar de sua. Sem filhos, sem cachorro, sem gato. Só ela e o cigarro. Traga, traga o cigarro como quem grita em desespero. Lê livros de auto-ajuda e não se ajuda. Vai a missa aos domingos. Faz promessas e crochê. Bordou uma toalha para a missa natalina, a vizinha setentona com inveja bordou uma mais colorida e cheia de detalhes. O padre coitado por apreço a vizinha escolheu sua toalha. A da moça agora só pra missa do galo.


E ela fumou mais um cigarro...

um dia // seis outonos. ausência // partida // perfume

ausência do que nunca tive
e mesmo assim senti
ausência de um fim sem começo
e de projeções românticas incertas
Corpo também transborda
E o oceano que nos separa só não é maior que às lagrimas que brotaram em meu rosto
Antes eram dezesseis, hoje são milhas e milhas
Tantos aviões saíram dai e pousaram aqui e você não estava em nem um deles
O corpo sentiu
E os braços também...



Nessa noite eu não rezei.

vaga noite de insônia, produções sem valor nenhum.

Insuficiência refletida sobre o espelho. Lágrimas contidas para não borrar a maquiagem. Carcaça de mulher forte em corpo de menina. Lábios finos pintados de vermelho. Pele clara, áspera e sadia. Camisa manga três/quartos. Saia de cintura alta. Sorriso de orelha a orelha. Infelicidade que transborda a alma. Vestir uma mascara diária de astúcia para esconder a solidão. E a noite chega. Banho quente, macarrão instantâneo, contas pra pagar e Maria Bethânia no velho radio a prestações. Quase trinta anos e nenhuma alegria para chamar de sua. Sem filhos, sem cachorro, sem gato. Só ela e o cigarro. Traga, traga o cigarro como quem grita em desespero. Lê livros de auto-ajuda e não se ajuda. Vai a missa aos domingos. Faz promessas e crochê. Bordou uma toalha para a missa natalina, a vizinha setentona com inveja bordou uma mais colorida e cheia de detalhes. O padre coitado por apreço a vizinha escolheu sua toalha. A da moça agora só pra missa do galo.

E ela acendeu mais um cigarro...

Nuances.

Contrai o corpo gélido sobre uma indiferença exorbitante de causas humanas, ausências e partidas. Telefonemas revestidos de encorajamento e bilhetes por baixo da porta. Flores mortas por capricho e descuido retratado como inocência. Sentimento de inutilidade escorrendo feito suor radicado numa luta diária contra o próprio fracasso. Os dedos trêmulos e castos policiam doses matinais de pílulas milagrosas resultantes de horas de sofrimento sobre o divã do analista. Os pés se retraem num afago que ecoa saudade do que nunca foi seu.
Ele ali na cama, tecendo os dedos largos sobre o aparelho de última geração e eu aqui tateando momentos imprevisíveis com o seu ventre completamente nú na mente. Eternização de momentos que não voltam. Domingo passado, calendário na parede relutante em lembranças e riscos misericordiosos. Tic-tac absolutista do relógio de ponteiros que provocam voltas na mente. Fagulhas de pó, rolhas de vinhos, cacos de vidro deixados como certeza de partida. Livro de cabeceira medido miraculosamente por entre os olhos. Cigarro tragado com paciência. Curiosidade impulsionando os lábios. Memórias pueris, toque de piano, o vento da tarde, balanço de rede, samambaia na varanda. Voltas-que-o-mundo-dá. Complicações, imperfeições, colisões. Insuficiência, morte antecipada. Chuva da manhã, velha nostalgia complacente, álbum de família, notícias populares e a saudade que passou de bicicleta. Ele tem tantos outros alguéns e eu não tenho ninguém.
Garrafas de uísque, reticências tristes, caixeiro viajante e o novo dia que vêm pra nós brindar. Mundo de tantos outros e tantos anos. Música entranhada nas galerias da memória. Impressões digitais da tua mão na minha. Bilhete na geladeira e foi.

terça-feira, 28 de abril de 2015

toda mala é carregada de partida.

Corpo em total exaustão reflete longas noites não dormidas. O cheiro de nostalgia recente é notável nos meses de janeiro. Terra molhada, chaleira apitando, som de maquinas de escrever redigindo cartas que nunca serão entregues.
O silêncio visto daqui é estranho, doloroso e escuro. O galo da minha vizinha canta sempre as cinco. Os pássaros fazem seu barulho matinal acolhedor e o meu corpo se retrai numa ausência do que nunca se teve. Festividades passadas ressurgem de forma misteriosa em forma de louça empilhada sobre a pia. Os pernilongos deixam marcas que só os dedos podem sentir na pele. O avião passa em direção a pista de pouso, turbinas fazem zoada. O silêncio morreu, assim como eu.
O nublado do céu provoca uma atmosfera de quentura que me causa lágrimas nos olhos. O rádio é ligado pelo meu avô. O café esta sendo passado de forma manual, no forno. Os lábios cantarolam uma marchinha desses antigas. Os dedos calejados de tanto digitar pautas jornalísticas agora batem no ritmo da marchinha sobre a mesa de madeira enquanto água do café se aquece. Minha avó assiste ao telejornal matinal, taxas de homicídios fazem com que ele troque de canal até encontrar um  para os seus olhos repousarem. O galo ainda canta. E o café esta na mesa e a tua partida cortou minhas certezas.

domingo, 26 de abril de 2015

Deixar ir.

Mágoa:

s.f. Ressentimento; sensação dolorosa causada por uma decepção, por uma ofensa ou indelicadeza.

Tristeza; estado de espírito da pessoa que sente desgosto, tristeza, pesar: sentia mágoa da mãe.

Figurado. Inveja; vontade incontrolável de possuir o que pertence a outra pessoa: tem mágoa da felicidade alheia.

Uso Antigo. Impureza; mancha provocada por uma lesão.

(Etm. do latim: macula.ae)





Escrevo fora do habitual, fora da velha zona de conforto entranhada num cubículo minusculo onde nem todas as dores podem entrar. Escrevo, pois quando a melancolia bate a porta ela tem que ser digerida com calma, gota por gota, como fios de açúcar em bolo de festa infantil.
Sabe se lá quais os fatores e razoes que levaram ao definhamento dessa relação, sabe se lá qual o caos que se instaura nas tuas entranhas submissas a tantos, sabe se lá quais os fatores que te levaram a partir sem ao menos deixar um trecho de despedida ou uma carta escrita a mão, rabiscada qualquer grudada na porta da geladeira.
Nas tuas mãos eu fui personificação, fui passatempo, fui desejo e alento pros teus desejos carnais, me joguei nos teus braços sem medir os riscos, me atirei nas tuas entranhas súbitas de cabeça e hoje o que me restou foi só tua tristeza. Pegou meu corpo fez de pião, e girou, girou nos teus lábios, nos teus braços e nos teus armários súbitos como forma de esquecimento.
Mas sabe? a ideia da tua partida em si não me causa melancolia, é uma tristeza passageira de quem já foi de tantos e de ninguém, outros virão por entre os meus braços, serão alento, serão dor, serão flor, me provocarão arrepios intensos mais fortes e ou tal qual os teus, mentirão e depois deixarão rastros de partida nos corredores jamais pisados com os sapatos surrados de tristeza cotidiana. A vida é isso sabe? essas partidas, essas lembranças, essas dores (que te tornam mais fortes) essa inquietação esperando o ônibus essa habituação, esse deixar ir. Deixar ir...

sexta-feira, 24 de abril de 2015

obituários

Não se sabe o que foi além de secretaria do escritório de análise, pestana pra gente como eu e frequentadora assídua das missas no dia de semana na igreja de nossa senhora de Nazaré. Não sabe de onde veio, sabe se pra onde foi, partiu, morreu, teve o corpo atrelado sobre uma superfície vazia e fria de mármore e virou apenas estatística. Seu endereço agora tem hora e lugar, demarcação territorial limitada, sete palmos do chão no cemitério São João. As manhãs de quinta-feira jamais serão as mesmas, os sorrisos soltos ao vento resultado de histórias cotidianas já não terão o mesmo peso, as instruções fraternais ficarão findas no filtro da memória suscetíveis a esquecimento. E o sorriso virou alento.

sapato azul//

o teu sapato azul:
me lembra mar
me lembra lar
me lembra "ficar"
O teu sapato azul
É conforto
É alento
É sustento
O teu sapato azul reveste os teus pés enquanto caminha até mim
O teu sapato azul te acompanha no meu fugir.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Sinais



Eu preciso escrever, o tempo crava marcas em mim, marcas que nunca vão sair.

Escrevo sem sentido, sem dedos.

Escrevo no ônibus, no vão da escada, no intervalo qualquer com os pés cansados sobre uma parede de tinta-fresca, apenas escrevo.

Escrevo, escrevo a minha dor, escrevo o meu amor, ou a falta dele, apenas escrevo por escrever, sem técnica, sem horizonte, e nem sei pra onde, apenas escrevo.

Escrevo com a frieza e a destreza, escrevo com a pujança sobre bilhetes de loteria, ou um papel qualquer encontrado numa taberna de bar, escrevo.

Escrevo enquanto ele que nunca foi de ninguém se diverte com outros alguéns, eu escrevo. Escrevo enquanto caminho, enquanto me desatino, escrevo.

Desabrochar.



Costas erguidas sobre a cadeira,

obituários tateando a mente,

histórias tracejadas no alto de longos anos, rostos esquecidos sobre móveis emoldurados por portas retratos,

missa de sete dias como sinal de lembranças recentes de uma dor não amenizada.

Dentes amarelados numa anunciação de longos anos como fumante, e foi.

Tudo que restou foi flores, flores de jardins alheios, flores de obituários, flores no altar da igreja, flores adormecidas sobre velhas janelas de tantos rostos, flores adormecidas marcadas de dor, e ainda assim, apenas flor.


remetem-te



Quase oito da manhã, revezo o olhar entre a tela em branco desse bloco de notas e o relógio de ponteiros agudos da minha cozinha.

Cheiros, sensações e um frescor de chuva recente no ar me transportam nos meus tesões mais inquietos.

Nos devaneios, nas lembranças pueris, sessão da tarde, doces na geladeira e joaninha fazendo o portão da minha casa de morada. Inquietação, desesperança seguida de uma esperança qualquer que ressurge como fio aceso em pólvora.

ácido, engole que não arde.



Não me venha com sinônimos, palavras difíceis, bem redigidas, carta bem pontuada, alinhamento cordial como nas aulas de datilografia. Não me venha verbalizar a palavra amor, não me venha contar da tua dor, não venha. Não me venha com apelidos carinhosos, bilhete na geladeira, porta retrato no móvel e nem almoço de domingo. Não me venha com programa a dois, ou com agrados e retalhos que você fitou em mim, não tente me agradar, nem me dar os beijos mais apaixonados, não venha. Eu não sou Maria Madalena, Madre Teresa de Calcutá ou uma freira vaticana, jovem sonhadora apaixonada. Eu sou uma puta qualquer, sou da realidade, sou de vários e não sou de ninguém, sou objeto na mão de quem me quer, e de quem eu quero, eu sou da solidão, da dor, da meia luz na poltrona e da fumaça de cigarro vencido. Eu não tenho esses teus sonhos de amor, esse teu idealismo ignóbil de uma casa num condomínio residencial e uma família de coluna social. Eu não sou assim e nem quero. Não tente me mudar, não tente querer me mostrar que o amor é diferente ao seu lado, ele não é. Eu conheço todas as nuances, uma-por-uma, dor por dor, tragadas, observadas e sangradas dentro de mim. Procure outro alguém, deseje e queira bem pois nesse teu mundinho fantasioso eu não sou ninguém.

precipício.



bloqueio, estupefato, intransigente, gastura, dor no peito e ausência de um punhado de palavras.

Textos lidos, esquecidos.

Cartas escritas, não mandadas, ou esquecidas, reendereçadas.

Sorrisos lapidados, ausentes, contentes, sorrisos que nunca foram meus, redigidos por lábios ateus.

Precipício criado por mim, e daqui não ei de sair.

Me entreguei, me joguei, quis ficar fui pra lá.

Anedotas.



Seu zico, meu vizinho, setenta anos e muita história pra contar! Cabelos alvos assumidos sem nem uma restrição. Usa o mesmo perfume desde mil-novecentos-e-setenta-e-quatro. Faz cruzados, joga dama, sai com os amigos, nunca viu o Grêmio ganhar uma libertadores, bebe às vezes! Dia desses me deparei no meio da correspondência de seu zico um boleto de pagamentos do cemitério “parque das águas verdes” esboçava-se um slogan feliz, alegre, alegava uma morte segura. No ônibus um cara lê crime e castigo e o tempo é o meu desatino

ausência II (e tudo já virou rotina)



E são tantos questionamentos, tantos ciclos viciosos que se concretizam nessa revolta diária, tantos dedos entrelaçados por corpos alheios sem nenhum fundamentalismo, absorvidos por apenas uma ideia hedônica de satisfação. Relações pessoais divergidas entre juras ridículas de amor e uma finalidade trágica de causas impossíveis, “a felicidade” como utopia. Passos pesados lá pelas tantas, sete e três da manhã de uma noite qualquer onde a insônia diária resolveu bater na porta. Descobertas inquietas de um alguém que um dia desejei e quis bem, agora tem outro alguém a sua disposição, soube que foram ao cinema, ele deve ter lhe dado o que eu nunca dei: O afago inquieto do meu peito vazio. Nos primeiros minutos foi difícil lidar com a ideia estabelecida de que um alguém que um dia quis bem definhou entre laços e abraços e se entregou por alguém. Mas não me inquietei num martírio de teledramaturgia das nove, pelo contrário, por mais que os meus olhos carregassem o peso do fracasso, eu sorri! Ah eu sorri, sorri de amargura e com a certeza de que não era eu, e nunca fui eu capaz de me entregar de corpo pra um alguém. Eu sou retraído, recato de convento e procissão, eu preciso do meu “tempo sozinho” sabe? Quando chegar me oferecendo muita atenção eu vou querer que vá embora, vou inventar qualquer desculpa, eu gosto de mim sozinho sabe? Eu gosto de me alimentar do processo criativo que a solidão representa, porém é tão dolorido imaginar, apenas imaginar, aquele alguém que durante noites a fio de projeções de tuas insônias e de teus desejos carnais. Levo no peito a tua vontade de ser meu e de não ser de ninguém. Ser do mundo e pro mundo. Levo também a visão não consumada de teu ventre nu sobre a minha cama numa tarde qualquer. Levo tuas palavras que ficam cravadas na memória feito musica da banda mais bonita da cidade, levo.

"o tempo''



Nessas minhas idas e vindas por lugar nenhum me deparo com situações corriqueiras que aguçam o meu processo criativo. Isso aqui foi escrito num banco de ônibus qualquer, numa terça feira qualquer. Moço dormindo no ônibus, intitulei de “o tempo”


Os meus olhos te fitam quase que inconsistentemente. Sentado nesse banco com os dedos apoiados no acento da frente você adormece, adormece pois nada pode fazer, parece cansado, destilado, com um jornal de classificados e uma revista caça-palavras no colo. Roupas não passadas cobrem o teu ventre moreno de sol, tua camisa floral esconde um pouco da sua barba por fazer, os teus olhos inquietos vez ou outra abrem-se para checar se passaste do ponto, movimenta a boca de forma amena como quem esboça preocupação qualquer ou a ausência de tal, sabe se lá. E eu aqui, olhando pra ti, como quem olha extasiado uma tela de cinema, um filme do Godard. Que mistérios escondem os teus olhos fechados numa carcaça boêmia de jovem astuto recém chegado na cidade grande? Quais mistérios escondem os teus pés inquietos vestidos por um par de sandálias de couro surrado? Quantos caminhos já percorreste antes de chegar ao presente momento ao qual intitulamos de agora? Quantos lábios foram de encontro ou desencontro aos teus? Quantas revistas caça-palavras foram preenchidas por entre esses teus dedos de unha roída? As respostas eu não sei, é chegada a hora, meu ponto é o próximo eu tenho que ir embora.


Adormece!